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Um bar numa capela, um hotel e mais de 200 obras de arte. É o MACAM e abre finalmente no sábado

Além das exposições permanente e temporárias, o espaço do Museu de Arte Contemporânea Armando Martins (MACAM) acolhe um hotel de cinco estrelas, um restaurante e um bar.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
MACAM
Francisco Romão Pereira | Escultura de Angela Bulloch
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Estávamos em Junho de 2024 quando a Time Out entrava no museu mais aguardado da cidade – o Museu de Arte Contemporânea Armando Martins (MACAM) – e dava a conhecer, em primeira mão, o que por lá iríamos encontrar aquando da sua abertura que, na altura, estava prevista para o final do ano. Não abriu antes de 2025, abre finalmente agora, a 22 de Março.

O museu, dividido em quatro galerias, é a nova casa da colecção privada do coleccionador Armando Martins, que contabiliza mais de 600 peças, sendo que aqui são apresentadas 215 em duas exposições permanentes e duas exposições temporárias. Além do museu, encontramos um hotel de cinco estrelas, um restaurante e café e ainda um bar dentro de uma capela dessacralizada do século XVIII. Para celebrar a inauguração, entre sábado e segunda-feira (22-24 Mar), há programação especial, de entrada gratuita, com poesia, DJ sets e actividades para crianças. 

“É um desejo tornado realidade”, afirma Adelaide Ginga, directora artística do MACAM, antes de iniciar a visita guiada à imprensa aos vários espaços do museu, esta segunda-feira, 17 de Março. Neste edifício de 13 mil metros quadrados, que em tempos foi o Palácio Condes da Ribeira Grande, vivem agora as obras que Armando Martins coleccionou ao longo de cinco décadas. O coleccionador comprou as primeiras peças quando tinha 18 anos, no caso serigrafias, e só aos 24 é que adquiriu o seu primeiro original – um quadro de José Ribeiro, que data entre 1970 e 1971, e que está exposto numa das galerias do museu –, conta Armando Martins aos jornalistas, já depois da visita. No fim dos anos 1980, após ter organizado uma exposição com cerca de 90 peças juntamente com amigos, em Penamacor, de onde é natural, começou a ter vontade de abrir um espaço onde pudesse expor a sua colecção, continua o coleccionador.

MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins
Francisco Romão PereiraMACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins

Dos 13 mil metros quadrados totais, apenas dois mil servem para as exposições. Logo à entrada, onde também se encontra a recepção do hotel, fica, à esquerda, a primeira galeria. Aqui, tal como na segunda galeria, podemos conhecer a exposição permanente, que teve curadoria de Adelaide Ginga, em conjunto com Carolina Quintela. “Uma Colecção a dois tempos” divide-se então num primeiro núcleo, focado na arte portuguesa produzida até ao final da década de 80 e que segue uma ordem cronológica, e num segundo, que se vira para a arte contemporânea, com obras de artistas nacionais e internacionais que dialogam entre si.

A dois tempos

Na primeira galeria, começamos por ver obras que se enquadram no naturalismo e se debruçam sobre a temática do ruralismo, destacando-se, num primeiro momento, dois grandes painéis de Almada Negreiros. Mais à frente, entre salas maiores e mais pequenas, surgem obras do modernismo português, de Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Botas, Jorge Barradas, Menez, Paula Rego, Santa-Rita Pintor ou Eduardo Viana, que tem em destaque três obras. Querubim Lapa, Marcelino Vespeira, Maria Helena Vieira da Silva são outros dos nomes presentes. De Júlio Pomar, pode ver-se Fernando Pessoa, de 1985; de José Guimarães, a escultura Eva (1986) toma conta de parte da sala, pela altura e pelas cores.

Música Surda, de Amadeo de Souza-Cardoso
© Courtesy of MACAMMúsica Surda, de Amadeo de Souza-Cardoso

É também aqui que existe uma sala, ainda em fase final de montagens, com a biografia de Armando Martins inscrita nas paredes e, em exposição, a tal obra de Rogério Ribeiro adquirida em 1974, cerca de um mês antes da Revolução: a primeira da colecção.

Depois de passar pela última sala da primeira galeria, dedicada à abstração geométrica, a visita segue para a capela, dessacralizada, que remonta ao século XVIII. Segundo Adelaide Ginga, este espaço teve de ser submetido a grandes obras de restauro, já que os altares e as pinturas estavam destruídas. O projecto artístico ficou a cargo do espanhol Carlos Aires, que, no altar-mor, apresenta um painel, produzido em folha de ouro e com imagens de figuras portuguesas. Por detrás, esconde outra proposta – um Cristo negro e um ecrã que vai projectando vídeos em loop. “Quando vi este espaço, pensei: vamos fazer algo arrojado. Era certo que teríamos o cristo negro, a partir daí propus ao Armando ter projecções.”, explicava o artista à Time Out em Junho do ano passado. A intenção de Aires, avança a directora artística, é criar um vídeo novo todos os anos. Nomeado de àCapela – Live Arts Bar, o espaço dedicar-se-à às artes performativas e visuais, sendo que funciona como bar, depois da hora de fecho do museu, com bebidas e finger food.

Trinity, de Carlos Aires
© Francisco Romão PereiraTrinity, de Carlos Aires

Ainda nesta zona, podemos subir as escadas que dão acesso ao terraço, onde se encontra uma escultura site-specific de Angela Bullock. Não é a única, já que Cristina Ataíde também criou uma peça em mármore, especificamente para a fonte do jardim do antigo palácio.

Descendo para a segunda galeria, damos conta das restantes peças da exposição permanente. Desta vez, o percurso não se faz de forma cronológica, mas sim de forma temática, sendo que o primeiro núcleo se centra nas questões da arquitectura e da paisagem interior e exterior, privada e pública. Ao contrário da galeria anterior, há peças fotográficas e videográficas e já vemos vários nomes estrangeiros nas paredes – desde Thomas Ruff e Sabine Hornig a Matt Keegan, Marie Neudecker e Nacho Martín Silva. Há também grandes esculturas, tal como Melancolia, de Pedro Cabrita Reis, que se junta aqui a outros artistas portugueses, como Nuno Cera ou Filipe Marques.

Da crise climática à guerra 

Cá fora, passando o jardim, entramos na nova ala, projectada pela Metro Urbe e pensada para acolher as exposições temporárias. O grande hall do edifício contemporâneo dá lugar a MURMUR, projecto que convida artistas emergentes a criar obras site-specific. As primeiras duas são de Marion Mounic.

Na sala do piso do rés-do-chão, temos a exposição temporária “O Antropoceno: em busca de um novo humano?”, que tem curadoria de Adelaide Ginga e explora a actividade humana no planeta, a crise climática, a justiça ambiental e as responsabilidades éticas. Há peças de Seth Price, Carlos Henrich, Cristina Ataíde, Fábio Colaço e ainda, no fundo da sala, uma instalação enorme de Ernesto Neto – Arquitetura animal (2001) –, que deixa o cheiro de cravinho e açafrão no ar.

Arquitetura Animal, Ernesto Neto
VASCO VILHENAArquitetura Animal, Ernesto Neto

No piso de cima, a segunda mostra temporária – “Guerra: Realidade, Mito e Ficção”. Pensada por Adelaide Ginga e Carolina Quintela, procura remeter-nos para a fragilidade da vida e para os tempos de extrema violência que vivemos, abordando temas como a propaganda, as fake news, a banalidade do mal, a verdade e a mentira. Logo à entrada, temos um quadro de Júlio Pomar e depois uma obra de João Louro, de 2018, que representa uma bomba, inscrita com palavras e frases. Berlinde de Bruyckere apresenta No Life Lost II (2015), uma escultura de dois cavalos mortos, feita em parte com pele de cavalo. Há ainda duas peças de Fábio Colaço, em que uma delas é um monte de notas trituradas, feita em parceria com o Banco de Portugal, que alude aos interesses em tempos de guerra.

Ainda nesta ala, temos o restaurante Contemporâneo, chefiado por Tiago Valente, que se inspirará nas obras da colecção para criar pratos que reinterpretam a gastronomia tradicional portuguesa.

No Life Lost II, Berlinde De Bruyckere
VASCO VILHENANo Life Lost II, Berlinde De Bruyckere

Nova arte na cidade         

A ideia principal do MACAM é que as obras da exposição permanente vão rodando, para que assim vá sendo possível, aos poucos, ver mais da colecção de Armando Martins, “que vai continuar a crescer”, garante Adelaide Ginga. Isto parte não só do gosto do homem que dá nome ao museu, mas também da vontade de desenvolver os núcleos autorais e de alargar a representatividade artística e geográfica, ao incluir, por exemplo, mais obras da América Latina e de África. “As obras de arte reflectem muito a origem dos artistas e, nesse sentido, pretendemos abranger mais áreas geográficas. Será um enriquecimento”, acredita Armando Martins. No futuro, outras colecções privadas também ocuparão o espaço expositivo do museu, daí o conceito de house of private collections.

No que toca à forma como o MACAM irá complementar a oferta artística de outros museus da cidade, como é o caso do MAC/CCB ou do MAAT, que não ficam muito longe deste novo museu, na Rua da Junqueira, a directora artística acredita que fazem “um bom diálogo”. “Acredito que somos uma colecção muito complementar do ponto de vista da relação com outras colecções que estão nesta zona de Lisboa, mas também com outros museus, como a Gulbenkian e o próprio Museu Nacional de Arte Contemporânea, porque temos uma variedade de obras que são complementares para quem quiser conhecer, não só a arte portuguesa, como a arte internacional.” Além disso, “somos um projecto bastante diferente, não só pelo lado inédito de termos um hotel aqui dentro, mas também porque somos o único museu exclusivamente privado, à excepção da Gulbenkian”, afirma.

Check-in num quarto de luxo – e com muitos quadros

E entra aqui o MACAM Hotel, que surge de maneira a permitir que o museu se mantenha sustentável. De 5 estrelas, com 64 quartos de mais de uma dezena de tipologias, abrirá ao público em Abril, na altura da Páscoa, e o preço médio da estadia rondará os 400€. E, não fosse este um hotel que fica dentro de um museu, em todos os quartos, bem como nas áreas comuns, corredores e terraços exteriores, estarão presentes nas paredes obras da colecção. Foram seleccionadas tendo em conta questões de preservação e também porque, segundo a directora artística, dificilmente se enquadrariam nas exposições. É uma forma de “sensibilizar os hóspedes”, já que estes se tornam uma espécie de “guardiões” das peças.

Maio de 68, Maria Helena Vieira da Silva
©Courtesy of MACAMMaio de 68, Maria Helena Vieira da Silva

Outro dos eixos programáticos do MACAM é o Programa de Mediação e Participação (MeP), que promoverá visitas e actividades, tanto para adultos como para crianças, de forma a promover uma atitude activa no diálogo com as obras de arte. “Queremos que seja um equipamento cultural vivido pelas comunidades que nos envolvem”, afirma Adelaide Ginga, que sublinha a importância de este ser um museu para todos. 

Para celebrar a inauguração do museu, entre dia 22 e 24 de Março, a entrada é gratuita. Estão marcados concertos, sessões de poesia, DJ sets, obras de arte comentadas e actividades para crianças.

Rua da Junqueira, 66. 22-24 Mar. Sáb-Seg 10.00-19.00. Entrada gratuita

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