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Numa altura em que se discute cada vez mais, e cada vez mais abertamente, os feminismos dentro e fora das artes, o Teatro Nacional D. Maria II e a Maison de la Culture d’Amiens, em França, aliaram-se para organizar o Feminist Futures Festival, um projecto que visa abordar as desigualdades de género nas artes performativas, e como combatê-las, através de perspectivas alinhadas com o feminismo interseccional – ou seja, um feminismo que se debruça, de forma integrada e cruzada, não só sobre questões de género, mas também sobre classe, raça, orientação sexual, religião, nacionalidade, entre outros contextos que possam ser vectores de opressão ou de privilégio.
Depois do arranque em Amiens, o festival chega agora a Lisboa. Desta segunda e até sexta-feira, o D. Maria II acolhe uma programação gizada por Tiago Rodrigues, Magda Bizarro e Laurent Dréano no âmbito da rede apap, que congrega 11 instituições de 11 países e co-produz artistas com percursos europeus emergentes. Naomi Velissariou, buren, Agata Maszkiewicz, Paula Diogo, Sergiu Matis (cujo espectáculo foi cancelado em Lisboa devido à covid-19) e Tatiana Julien são os criadores associados ao Feminist Futures, aos quais se juntam outras e outros para dinamizar o segundo tentáculo do evento, a Feminist School, centrada em momentos de reflexão e partilha de ideias, com conversas, workshops e visitas.
O pontapé de saída é dado por Paula Diogo com Terra Nullius (segunda, sexta e sábado às 17.00), uma áudio-caminhada que vai buscar o título ao termo legal que designa territórios desocupados e que não pertencem a ninguém. Nos auscultadores, cada espectador irá escutar a história de alguém que mudou de país e como isso se relaciona com a sua história pessoal e familiar, servindo de mote para se reflectir sobre a ocupação do espaço público, sobre a existência ou inexistência – dependendo do lugar de privilégio de cada pessoa – de barreiras físicas, políticas e materiais para viajar. Na terça-feira é a vez de Permanent Destruction – The SK Concert, concerto-performance da actriz e encenadora Naomi Velissariou e do produtor sonoro Joost Maaskant, inspirado na inglesa Sarah Kane (1971-1999), um dos nomes mais cáusticos, ferozes e féericos da dramaturgia contemporânea.
Segue-se, sexta-feira e sábado às 19.00, Same Same & Different, peça em que a polaca Agata Maszkiewicz explora a forma como nos posicionamos perante o trabalho e como isso molda as nossas vidas e relações, medos e inquietações, inclusive na criação artística. O lugar do trabalho é também o cordão de Spare Time Work (sábado, 21.00), das belgas buren (Oshin Albrecht e Melissa Mabesoone). Numa espécie de concerto que joga com os contextos e protocolos laborais das sociedades capitalistas e com as ocupações pós-laborais, as buren lembram-nos das fronteiras cada vez mais ténues entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer, entre a profissão e a subjectividade de cada pessoa, e como isso se entranha fortemente no quotidiano dos artistas. No âmbito da Feminist School, as buren apresentam outra criação, T-shirt Conversations, performance de curta duração em que os diálogos são construídos a partir de frases impressas em t-shirts vistas nas ruas, questionando a presença que os slogans, e quais slogans, têm no nosso dia-a-dia.
Neste programa paralelo do festival passam ainda nomes como Naki Gaglo, da African Lisbon Tour, visita guiada ao centro de Lisboa que dá a conhecer a herança africana na cidade e como o passado colonialista enforma o espaço público (terça e quarta-feira, 10.00, entrada livre), ou Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema (Aurora Negra, espectáculo cuja reposição também esteve prevista para o início desta semana, mas acabou por ser cancelado), com um programa das 10.30 às 16.00 de sexta que inclui uma conversa entre pessoas negras do meio artístico e académico, uma “cachupada” e uma festa orientada por um grupo de batucadeiras. A programação completa está disponível aqui.
Teatro Nacional D. Maria II. Seg-Sáb, vários horários. 8€-16€
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