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Quando o ouvimos pela primeira vez, por volta de 2018, um6ra era só um produtor. Eram dele muitos dos instrumentais por cima dos quais LON3R JOHNY rimava nos EPs Goth Lullaby e Cold Winter – este último, em colaboração com (LOUIS) DVART. Lil Peep era uma influência partilhada por todos. Nos anos seguintes, continuou a fazer batidas para rappers com quem se cruzava no soundcloud e a lançar as próprias beat tapes. Até que, lentamente, começou a sentir-se à vontade para pegar no microfone. Um processo de auto-descoberta que culminou no lançamento de NOVA 40K, o seu primeiro álbum, em Janeiro. Esta quarta-feira, apresenta-o no Musicbox.
“Estive estes anos todos à procura do estilo de música que eu quero fazer. O que é normal. Quando as pessoas começam a cantar, aquilo não costuma estar muito fixe”, admite Denys Hryshchenko, 25 anos, o DJ, produtor e agora rapper que conhecemos como um6ra, num domingo frio, todavia soalheiro, à mesa do Farol de Santa Apolónia. “Estava bué hyped por me estar a ouvir, porém tinha a noção de que estava só a sentir-me proud of myself e a música não estava mesmo, mesmo boa. Por isso, demorei um bocado a lançar. Demorei alguns anos até me sentir confortável e estabelecido na minha estética, mais electrónica, hardstyle, misturada com o trap.”
Ao longo deste processo, nas plataformas de streaming, foi largando singles e um primeiro EP, IMPERFECT ORGANISM, com rimas sobretudo “em russo e também um bocado em inglês”, aponta. O russo é um legado dos pais de Denys, que nasceram numa zona da Ucrânia próxima da Rússia e se mudaram para Albufeira quando ele tinha quatro anos. O seu português é perfeito, mas cresceu a ouvir a língua materna em casa, em conversas com os pais e em muita da música que saía das colunas. Que ainda sai.
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“Tenho andado a ouvir muita música russa”, nota. “Desses artistas, o meu favorito é o Pierre Narcisse – que por acaso era dos Camarões, mas cantava em russo. Ele tem uns bangers que ouvia quando era criança, com os meus pais. Tenho sentido uma certa nostalgia e tentado voltar a descobrir essas canções.” Foi nestas expedições de arqueologia sonora que reencontrou “Трудный возраст”, da cantora MakSim, que reinterpretou no ano passado. “Peguei na letra inteira, fiz um nu-jazz beat e cantei por cima, com a mesma melodia. Porque, pá, foi uma música que me tocou bastante.”
Esta herança russa não se escuta tanto no álbum de estreia, porém. As palavras que ouvimos são sobretudo inglesas, com incursões pontuais pelo português e pelo russo; já os instrumentais são universais – há ecos do trap, da hyperpop e do hardstyle, desconstruídos e tornados numa matéria sónica alienígena, que se molda às vozes altamente digitalizadas de um6ra e dos convidados numiall (em “Spakoina”), floraa (em “Mortal Strike”) e DRVGジラ (em “Low Health”, o primeiro avanço de NOVA 40K).
A união faz a força
Muito antes de se encontrarem em estúdio, no entanto, um6ra e os seus co-conspiradores tinham-se cruzado online e em palco, em noites como as Bloodborne, do brasileiro Devlloz; ou as DayDream, começadas pelos portugueses floraa e DRVGジラ, actualmente a viver em Berlim. Ambos integram o colectivo Crisis 200, tal como o produtor ucraniano e outros artistas portugueses, mas também da Rússia, do Brasil e do México. É, em parte, graças a estas ligações internacionais que o segundo concerto de apresentação vai ser no Aphotic Signals, em Berlim, já no sábado, 22.
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Denys está entusiasmado com esta estreia em Berlim. Não é fácil viver da música em Portugal, pelo que vê com bons olhos qualquer internacionalização, por pequena que seja. “Até porque estou a cantar em russo”, aponta. E em inglês. Interessa-se, também, por produção de eventos e engenharia de som, “coisas que até gostava de fazer como trabalho”, garante. “O problema é que não tenho nenhum curso, tenho só o secundário”. O marketing musical é outra área que gostava de explorar. “Fiz o plano de marketing da ‘Low Health’, trabalhei mesmo ao nível do algoritmo.”
O futuro imediato, no entanto, passa pela edição de mais singles, em colaboração com outros artistas. “Quero concentrar-me nisso. Estou sempre a dar na cabeça da malta para colaborar e juntar fan bases”, partilha. “As próximas vão ser com o Mizu e com o Koi [Kowaku], um rapaz chinês que actuou na Bloodborne. Já fiz um som com ele, e vamos apresentá-lo no Musicbox. Tal como o do Mizu. Vai haver dois [inéditos] no concerto,” revela. “Depois vou também fazer uma com o noxsar da Crisis 200.”
O que não está no horizonte, pelo menos por agora, é voltar a compor instrumentais para outrem. Longe vão os tempos em que, por cima das suas batidas, rimavam CHRISBLXDE (BLOODSICK), João Não (“o tédio”), Lucy Val (“Bicho”, “Zero”) ou SICBOY3000 (“BRILHA”), que também integrou em tempos o horrorclub®, colectivo determinante do emo-trap português no final da década passada, onde militaram o próprio um6ra e colaboradores dele, como Mizu, LON3R JOHNY ou LOUIS DVART, entre outros artistas. “Agora, se eu fizer um beat e não cantar por cima dele é porque não está bom, porque não curti. E dificilmente as outras pessoas vão curtir.”
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Os “beats que curtiu” são aqueles que se vão ouvir esta quarta-feira, no Musicbox. Canções electrónicas futuristas e emotivas. Da sua pena e da de Nigiri Ice, que actua na primeira parte, por sugestão de Inês do Canto. “A representação feminina neste meio é curta e a Nigiri não só tem um trabalho altamente polido a nível de sonoridade, como estético”, diz a programadora. “[We] go way back”, acrescenta um6ra. “A minha primeira colaboração com o DRVGジラ tem um feature da Nigiri, em 2019. Since then não fizemos mais sons juntos, mas ela enquadra-se totalmente no line-up, porque é produzida sobretudo pelo DRVGジラ – são irmãos.” A vitalidade deste movimento underground é indissociável destas ligações históricas e afectivas.
Musicbox. 19 Fev (Qua). 21.00. 9€
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