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Uma cama, várias pessoas, e muito toque. É assim ‘Weathering’

A performance da norte-americana Faye Driscoll estreia-se no TBA, a 2 e 3 de Novembro. É um quadro vivo de pessoas, cheiros, texturas e sons.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Weathering
Maria BaranovaWeathering
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“Pele”, “entranhas”, “boca”, “diafragma”, “pupila“, “cabelo”. Entoa um coro que não está aqui. No centro, vemos uma plataforma, que mais parece uma cama, branca e vazia. “Pele”, “pele”, “pele”, “pele”, ”pele“, continua, enquanto, um a um, os intérpretes vão entrando e subindo para a cama. À medida que os últimos vão ficando, os primeiros vão desaparecendo, dando lugar a espaços vazios que, logo a seguir, são preenchidos de novo. E quando, finalmente, todos se juntam em cima da cama, um quadro ganha vida. E é de corpos, cheiros e texturas que se faz Weathering, uma imagem que se vai transformando e moldando ao ambiente que a rodeia, e que, ao contrário das outras, podemos tocar.

A performance estreou-se em Nova Iorque, em 2023, e passa, este ano, por várias cidades na Europa. A 2 e 3 de Novembro, apresenta-se no TBA, e segue depois para o Teatro Municipal do Porto, nos dias 8 e 9. Partiu de várias coisas, mas especialmente do acto de tocar, nas suas mais variadas formas. “Para mim, há sempre um ponto de partida e depois, ao longo do caminho, há muitos desenvolvimentos e inspirações que entram no processo. Inicialmente, estava muito interessada nestes momentos em que nos tocamos uns aos outros, em que alcançamos algo fora de nós próprios e impactamos outro corpo da forma mais extrema, como com violência ou sexo”, diz-nos Faye Driscoll, que está por detrás da criação de Weathering.

Weathering
Maria Baranova

Foi na altura da pandemia que a artista e encenadora norte-americana se viu atraída pela ideia de toque. “Quando estava em confinamento, pensei muito acerca do toque. Os nossos corpos têm o sentido do toque, mas depois, através do corte de uma faca, através de objectos que prolongam os nossos corpos, tocamos noutras coisas. Através das armas, tocamos, através da Internet, tocamos, através do som, enviamos as nossas vozes. Pensei muito acerca de todas as maneiras que o nosso corpo tem de se expandir”, continua. Aliado a isto, veio a vontade de reflectir também acerca da representação do corpo humano, tema que tem explorado ao longo da sua carreira. “Trabalho há muito tempo a partir de imagens. Tive um projecto em que trabalhei a representação do corpo na pintura ao longo da História, em que olhei para a representação do corpo e dos gestos nas imagens, e para a diferença entre a imagem e o que é vivo. E sinto que há muitas camadas disso aqui. Sinto que o Weathering as agrega a todas.” 

Weathering
Maria Baranova

Em cima da cama, os intérpretes vão-se mexendo lentamente, tão lentamente que parecem parados. A cada segundo, vemos novos movimentos tornarem o quadro em algo novo, em que as pessoas se vão transformando elas próprias num só organismo. Neste espaço, em que o toque é o veículo principal da acção, os actos privados tornam-se públicos, a intimidade é levada ao limite, e este conjunto de pessoas, que mais poderiam ser estranhos apanhados na rua ou numa estação de comboios, vê-se obrigado a partilhar a mesma bolha. E podem não conhecer-se, ou nem querer fazê-lo, tal como acontece no mundo real. “Estamos a viver um desastre crescente no mundo e, por isso, somos forçados a ter uma experiência catastrófica, em que há, por um lado, perda, e por outro possibilidades. E depois também vivemos num mundo em que o contexto está em colapso, em que podemos estar em contacto com pessoas em todo o lado e as nossas preocupações viram-se para algo que nem está a acontecer nas nossas vidas. Então há esta ideia de o estranho perto de mim e o estranho longe de mim”, reflecte Driscoll.

Weathering
Maria Baranova

É de facto um trabalho multissensorial que pretende despertar os sentidos do público e que, por isso, utiliza todos os meios que tem ao seu alcance para o fazer. Há pessoas a borrifar água para cima do público, há líquidos transparentes que os intérpretes espalham no corpo uns dos outros, há pó branco, ervas e flores que voam pelo ar. E há ainda um som que percorre toda a sala. Por vezes, parece apenas a respiração da boca de alguém, outras vezes são suspiros e gemidos que se tornam cada vez mais intensos com o decorrer da performance. Acaba por ser um “jogo de representação”, em que cada um de nós vê coisas diferentes. O que, para uns, pode parecer o início de uma orgia, para outros, pode parecer uma tentativa de assalto ou de ataque. 

Para Faye, é aí que reside o fascínio do projecto, no estado de constante mudança a que estamos sujeitos e que se espelha nos nossos corpos. “Estamos muito obcecados com arranjar. Pensamos que os nossos corpos têm problemas que precisam de ser resolvidos o tempo todo, ou que precisam de ser melhores", mas não. Um corpo deve "escorrer", deve "mudar", e não precisa de ser "arranjado". 

Weathering
Maria Baranova

E tal como ela muda, também os intérpretes e, por consequência, a performance mudam com cada apresentação. “Nós tentamos ter movimentos específicos e tentamos ser consistentes, mas é impossível. Todas as noites, os intérpretes estão conscientes das mudanças e trabalham juntos numa espécie de negociação em torno daquilo que está mal, ou que falha. Mas isto também faz parte da estética, por isso, chega a não ser sequer uma falha”, explica a encenadora, que realça o facto de o trabalho se metamorfosear consoante o contexto urbano e cultural em que está inserido. Em Lisboa, Driscoll está animada em “sentir o público” e “perceber como o trabalho se relaciona com diferentes contextos culturais, mais do que levar o público a sentir X, Y, ou Z”.

TBA. 2-3 Nov. Sáb 19.30, Dom 17.30. 12€

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