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As cabines telefónicas estão extintas. Não há, hoje, nenhuma estrutura que isole um telefonema do resto do mundo. A atmosfera terrestre é, toda ela, uma cabine sem fronteiras.
É por isso que ficamos a saber que o sujeito A, que nunca vimos antes, precisa de tirar o dia para levar o carro à revisão. Ou que o sujeito B, um anónimo, anda a tentar fazer com que os seus canários procriem, sem sucesso.
Na hora de ponta, num autocarro, há sempre pelo menos uma pessoa a tratar da sua vida. Conversas íntimas partilhadas por pessoas cuja caixa torácica permitiria uma carreira no teatro – ou mesmo na ópera.
A vida é um palco, etc., mas calma lá. Ninguém tem o direito de transformar umas dúzias de passageiros letárgicos num auditório involuntário para os seus dramas laborais. Aos monólogos desinteressantíssimos à base de “e depois ela disse”, “e depois eu disse”, “e nem vais acreditar no que ela disse a seguir”, juntamse relatos neo-realistas de pais divorciados ou descrições muito detalhadas sobre o que vai ser o jantar: “Vou fazer um guisado só ainda não sei se acompanho com arroz ou esparguete. Talvez esparguete, que arroz já comemos ontem ao jantar”.
Os telemóveis transformaram a esfera privada num paralelepípedo público e os transportes em cabines com rodas e, muito de vez em quando, ar condicionado que realmente funciona.
Das duas uma: ou metemos uns auscultadores nos ouvidos e deixamos o mundo em “mute”. Ou absorvemos os dramas da vida moderna que se vão fazendo anunciar no autocarro, como uma radionovela péssima ou um podcast amador.
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