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Uma exposição badalada num prédio destinado ao luxo? Sim, mas só durante cinco dias

“Random” é a exposição inaugural do projecto Meanwhile Buildings, que ocupa um edifício na sua espera pelo licenciamento de obra. É também uma resposta à “falta de espaço para a cultura”. Encerra no domingo.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Inauguração da exposição Random
Francisco Romão PereiraInauguração da exposição Random
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Numa paralela, recatada, à Rua de São Bento, começam a chegar os convidados, às dezenas. Podem também ser futuros clientes, de obras de arte e de apartamentos. As peças de Cabrita Reis e de Fernanda Fragateiro não estão à venda, mas há outras negociáveis, entre uma lista de 50, que compõem a exposição colectiva "Random". A iniciativa da promotora Lx Capital e do programa de residências artísticas Azan é a primeira do projecto Meanwhile Buildings, que visa aproveitar imóveis e terrenos em desuso em Lisboa para eventos culturais ou comunitários, enquanto as licenças de construção aguardam aprovação. O hiato nunca é inferior a um ano, pelo que, havendo condições para usar os espaços, há janelas de oportunidade.

A instalação de Einar Grinde
Francisco Romão PereiraA instalação de Einar Grinde

O conceito não é absolutamente novo. Vejam-se a Lx Factory, inicialmente montada como um lugar temporário, ou a cooperativa Largo Residências, que ocupou o antigo Quartel do Cabeço da Bola e, mais recentemente, uma parte do extinto hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, para ali montar um centro comunitário e cultural. Em cidades como Paris, Barcelona, Turim ou Bilbao, usar os "entretantos" para realizar exposições ou até sediar companhias de teatro tornou-se comum. Numa análise crítica, conjectura-se sobre a utilização de agentes culturais para valorizar imóveis e bairros. "A verdade é que vimos para cá, limpamos, tratamos de tudo e dinamizamos locais e comunidades, valorizamos os espaços, apenas em troca de um lugar onde possamos fazer o nosso trabalho, ter espaços de criação e fazer algo pela cidade, que a torne mais habitável e humana", dizia há meses à Time Out a dinamizadora de um projecto cultural com raiz em Lisboa.

Inauguração da exposição Random
Francisco Romão PereiraInauguração da exposição Random

Também no corredor de um dos apartamentos deste número 54 da Rua da Quintinha, na zona de São Bento, um visitante da exposição pergunta: "Achas que isto vai valorizar o prédio?" Os preços já estão definidos pela Barnes International Realty, imobiliária focada no mercado do luxo: um T1 de 92 metros quadrados vai dos 850 mil aos 1,150 milhões de euros; um T4 chega aos 2,6 milhões. À Time Out André Riscado, CEO da Lx Capital, a promotora, diz que valorizar o edifício através da cultura não é o objectivo, mas admite que o evento "dá visibilidade" ao projecto. Por detrás da ideia da iniciativa Meanwhile Buildings está sobretudo uma vontade de tirar do marasmo imóveis à espera do aval para arrancar com a obra, ao mesmo tempo que se criam espaços de acção numa cidade que vive uma "grave crise de falta de espaço", não só no plano da habitação como para áreas culturais ou projectos comunitários. "Ainda estamos muito no início, mas uma das coisas que estamos a pensar fazer é transformar um terreno que está à espera de licenciamento num jardim que possa ser usufruído pela comunidade, pelos vizinhos", explica o CEO, para a seguir detalhar: "Desde que se adquire um activo até se iniciar a obra, avançar em menos de um ano é impossível, pelo menos nas cidades maiores, como Lisboa e Porto. E isso fez-nos pensar que podíamos fazer alguma coisa."

Cinco dias para ver Miguel Palma ou Cristina Ataíde

Ao todo, são quatro pisos. Dos mais altos, vê-se o Cristo Rei e a Ponte 25 de Abril. No interior, há marcas de infiltrações, canos à vista, soalho periclitante. Num dos quartos, o vídeo de Maria Peixoto Martins coloca legendas às buzinas insistentes dos automobilistas ao longo de um pára-arranca prazeroso, numa cidade que parece ser Marraquexe. A solução de iluminação encontrada por Tomaz Hipólito, que através da Azan convidou 50 artistas a compor esta exposição, são lâmpadas fluorescentes cuidadosamente dispostas sobre o chão e ligadas, por fios, a tomadas de electricidade. Noutro quarto, o norueguês Einar Grinde desconcerta com uma das suas vacas insufláveis, que muda de posição conforme o ar que contém.

A peça de Pedro Cabrita Reis
Francisco Romão PereiraA peça de Pedro Cabrita Reis

Os nomes dos artistas estão escritos à mão pelas paredes e há um bar improvisado em cada piso: uma porta de madeira que assenta sobre blocos de tijolos, de onde se servem as bebidas. A lista de artistas continua, de Inês d'Orey a Pedro Cabrita Reis, Miguel Palma, Fernanda Fragateiro, Teresa Segurado Pavão ou João Madureira, cruzando nomes consagrados e emergentes, e áreas que vão desde a instalação ao vídeo, fotografia, escultura, pintura e performance. Na inauguração compareceram centenas de pessoas, dificultando a deslocação pelas escadas, "uma prova de que as coisas acontecem, as pessoas vão", analisa André Riscado.

De exposições a casas temporárias

Por que razão uma exposição com 50 artistas, que envolveu galerias, o transporte de peças e restante produção dura cinco dias? "Não sabíamos como ia correr, foi uma primeira experiência. Por outro lado, é preciso ter lá alguém, desde o acompanhamento à segurança", explica André Riscado. Montar uma exposição como esta custou "à volta de 20 mil euros", sendo que o transporte das peças ficou a cargo dos artistas e que houve o patrocínio da imobiliária Barnes e o apoio da Delta (também para custear os 250 exemplares do livro-catálogo da exposição).

A intervenção de Tomaz Hipólito
Francisco Romão PereiraA intervenção de Tomaz Hipólito

Durante o fim-de-semana, a exposição vai contar com visitas guiadas e no domingo desmonta-se. O número 54 da Rua da Quintinha continuará à espera da licença para se tornar um prédio de luxo e, ao que tudo indica, a Lx Capital, procurará mais oportunidades para organizar iniciativas do género, talvez de duração mais prolongada. "Esta é uma primeira iniciativa, mas as possibilidades são quase infinitas", afirma o CEO da promotora. Podem estes edifícios tornar-se residências artísticas ou para estudantes, ou ainda centros de acolhimento temporário? Muitas vezes, os prédios "estão perfeitamente habitáveis", mas "é claro que, para coisas mais complexas, seria preciso criar instrumentos que permitissem ter licenças de uso temporárias, por parte da Câmara", responde o dinamizador. 

Para abrir o debate, a Lx Capital tenciona "criar um fórum de discussão" sobre o tema, no qual gostaria de envolver a autarquia lisboeta. "É uma ideia, ainda, mas queremos avançar nesse sentido. Se a ideia é fazer coisas para a comunidade, acho que temos de tentar." 

Rua da Quintinha, 54 (São Bento). 10.00-22.00, 14-15 Set. Dom. Entrada livre

Visitas guiadas no dia 14 Set., às 11.30 (crianças e famílias) e às 16.00 (público em geral); e a 15 Set., às 11.30 (crianças e famílias)

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