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Quais são os limites para fazer “boa televisão”? Quinn King (Constance Zimmer) teria uma resposta que os espectadores apreciariam num produtor de ficção: não há limites. Na boca da protagonista de UnREAL, no entanto, esse nível de voluntarismo ganha contornos maquiavélicos e preocupantes: Quinn é a showrunner de Everlasting, um reality show decalcado de The Bachelor, em que um grupo de concorrentes se guerreia, entre jogos e intrigas, para conquistar um apetecível solteirão; o que significa que a ausência de limites se aplica a pessoas de carne e osso, que a sua equipa manipula em prol das audiências.
Escrúpulos e compaixão são as únicas cartas fora do baralho. Essa é a certeza com que se chega à terceira temporada de UnREAL, que se estreia no TVCine Emotion logo na semana a seguir ao episódio final da segunda (o que é possível porque a série criada por Marti Noxon e Sarah Gertrude Shapiro, que fez parte da equipa de The Bachelor, está a passar com atraso na televisão portuguesa; nos EUA, a quarta e provavelmente última temporada foi exibida há dois anos). A aposta na continuidade sem interrupções pode ajudar a manter o público da série, que foi recebida à primeira temporada com um entusiasmo que esmoreceu significativamente à segunda. A terceira promete voltar a subir a fasquia.
Everlasting, cujos impiedosos bastidores somos levados a conhecer (onde se passa de tudo, desde a redução dos concorrentes a marionetas dos produtores até ao encobrimento e à falsificação de provas num suicídio), vai inverter a sua misógina premissa e apresentar a primeira suitor mulher. Serena Wolcott (Caitlin FitzGerald), uma empresária triunfante no sector das tecnológicas, que é apresentada como um “Elon Musk feminino”, será cortejada por um leque de homens que vai do bombeiro ao investidor de Wall Street. Mas, ao contrário do que é habitual com outros pretendentes, Serena não está disposta a ser manobrada. É inteligente, bem sucedida e participará nos seus termos.
É apenas um de muitos desafios que Quinn e o seu ex-namorado e criador do reality show, Chet Wilton (Craig Bierko), vão ter de enfrentar após a desastrosa temporada anterior (a autocrítica dos argumentistas de UnREAL?). Everlasting esteve a ponto de ser cancelado e Quinn começa a sentir-se encurralada, incapaz de encontrar uma saída pela porta grande. Para agudizar o problema, o seu braço direito e mestre da mentira e da manipulação, Rachel Goldberg (a co-protagonista Shiri Appleby), regressa de um retiro investida de uma crua e inesperada propensão para a honestidade. Ou seja: a saúde mental de Rachel, da qual a segunda temporada revelou sórdidos pormenores, vai continuar a ser explorada.
UnREAL dramatiza em excesso os meandros da reality tv – mesmo para o contexto americano. Mas, numa altura em que o Big Brother regista generosas audiências por cá, a série dá algumas pistas sobre a “realidade” que nos surge no ecrã de imaculadas vestes, como se ninguém sobre ela interviesse mais do que o que está à vista de todos. Quem dispensar a análise televisiva, pode comprazer-se com os momentos de comédia, roer-se com a tensão na régie, indignar-se com o sexismo e a objectificação das mulheres, ou começar a escrever cartas ao advogado sempre que alguém levantar a voz a um árduo trabalhador do programa. Pode agarrar já em meia dúzia de resmas de papel.
TVCine Emotion. Qua 22.10 (estreia T3)
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