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Há muito, muito tempo, corria o ano de 1697, um senhor francês chamado Charles Perrault escreveu a sua própria versão da história de A Bela Adormecida (que se viria a tornar a mais popular do conto até aparecer a dos Irmãos Grimm, em 1812). Centenas de anos depois, em 1999, Agustina Bessa-Luís reescreveu o texto, à luz dos tempos modernos e do seu sabido sarcasmo. Agora – a propósito das comemorações do centenário da autora portuguesa (1922-2022) –, Beatriz Brás, Martim Sousa Tavares e Francisco Lourenço revisitam essa pouco conhecida narrativa, que nos convida a reflectir sobre como, a dormir ou bem despertos, podemos (e devemos) experimentar ser quem quisermos. Com projecção de vídeo e música ao vivo, interpretada pela Orquestra Sem Fronteiras, Uma Outra Bela Adormecida estreia para as famílias este sábado, 14 de Janeiro, às 16.30, no LU.CA – Teatro Luís de Camões.
“A forma como a Agustina dá toda aquela poesia e densidade ao texto, e mesmo a interpretação que faz da história, desta fase do sono, deste estado de sonolência como o período de infância, nos interessa. Mas também nos interessou aligeirar sem querer infantilizar, o que é sempre um desafio, porque é um desafio fazer teatro para crianças. Por outro lado, tentámos dar continuidade àquilo que a autora já tinha como ingredientes, como os parênteses para interromper a história e fazer comentário ao próprio texto”, conta-nos Beatriz Brás, no final de um ensaio corrido. “Reunimos algumas vezes para trocar ideias e tínhamos um documento partilhado, onde íamos conversando para tentar aperfeiçoar o resultado final, sem perder o sentido de humor original”, acrescenta, antes de confessar que, a início, a ideia era ser apenas uma leitura encenada. O que aconteceu foi que, à medida que o entusiasmo cresceu, os planos cresceram também.
Em palco, é Beatriz Brás – que também assina a adaptação do texto – que nos conta o porquê da história de A Bela Adormecida ter fascinado tantos autores e continuar a marcar tantas gerações. Sem melindres em quebrar a quarta parede, aquela parede imaginária que separa os actores do público, a jovem intérprete desconstrói o famoso “Era uma vez” e explica aos mais novos (e, quem sabe, até aos mais velhos) o que é uma “estriga de linho” e outras coisas dos tempos dos bisavós dos bisavós dos nossos bisavós. Pelo meio, como quem não quer a coisa, faz apartes subtilmente cáusticos sobre coisas de antigamente um bocadinho absurdas. Como as princesas estarem reservadas aos príncipes, à laia de terreno herdado, ou alguém ter achado boa ideia beijar uma princesa dorminhoca sem autorização. “O texto está sempre a deambular entre o que já conhecemos, o que herdámos e nos pode ajudar para encontrar o nosso caminho hoje, como um alimento que não devemos ignorar, e aquilo que ainda é só possibilidade, que podemos escolher ou questionar”, diz Beatriz. “Mas a verdade é que, do passado ao futuro, há emoções e problemas que são exactamente os mesmos.”
A acompanhar, temos a Orquestra Sem Fronteiras: a composição é de Martim Sousa Tavares, que também assina a direcção musical. “Tirando o início, em que ouvimos um pouco de Tchaikovsky, a música, aqui, é um bocadinho abstracta. A ideia não é substituir a narrativa – é sempre ajudar a ir mais fundo em certos aspectos da estranheza e dos duplos sentidos da história – e diria até que, uma das funções, é de didascália, quase de Looney Tunes, em que se vê os barulhos a serem feitos. Há um que eu adoro, que é o da campainha, dling dlong, que vem de um glockenspiel que está ali. Ou seja, de repente conseguimos ver o objecto que produz aquele som que nunca imaginámos. Nesse sentido, há uma espécie de playground de instrumentos esquisitos”, sugere. “[Sobre ter a banda em palco], tem a ver com o espaço, porque o palco é pequenino e seria sempre complicado esconder quem quer que fosse. Agora, a partir do momento em que assumimos que [os músicos] estariam presentes, visíveis, sempre achei que deveriam ser mais do que figurantes.”
Há ainda projecção de vídeo com imagens de Francisco Lourenço, que surpreendem tanto quanto contrastam com o que está em palco. “Quando perguntámos ao Francisco se podia desenhar-nos o cartaz, ele disse-nos que não desenhava pessoas ou bonecos ou uma coisa assim. Percebemos logo que ia ser bem diferente”, revela o maestro, entre risos. "A verdade é que não sou ilustrador, trabalho com vídeo, e é difícil conceber projectos em que penso de forma muito ilustrativa. Normalmente preocupo-me mais em passar a sensação da coisa que está a ser representada”, explica Francisco. “Neste caso o texto é bastante sugestivo visualmente, e em termos de movimento também, com menções às colheres pesadas e à comida, por exemplo. Eu tentei evocar isso, porque não estamos a falar de um filme, mas de uma peça, e o que é importante é o que está a acontecer em cena.”
Patente de 14 de Janeiro a 22 de Janeiro, Uma Outra Bela Adormecida tem apresentações previstas aos sábados, às 16.30, e domingos, às 11.30 e às 16.30. OS bilhetes custam 7 euros. Em paralelo, com entrada livre, a exposição “Oito colheres de sono”, de Francisco Lourenço, pode ser vista no entrepiso do LU.CA até 31 de Janeiro, de segunda a sexta-feira, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 17.00, e aos fins-de-semana, das 10.30 às 13.00 e das 14.00 às 17.30. Se não conseguir ver o espectáculo-concerto em Lisboa, atente: está marcada uma sessão a 29 de Janeiro, às 16.30, no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova; e outra a 3 de Junho, às 15.00, no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto.
LU.CA – Teatro Luís de Camões. 14-22 Jan, Sáb 16.30, Dom 11.30/ 16.30. 7€
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