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Volta a Lisboa por monumentos-catástrofe coloca na agenda uma outra forma de turismo

Novo "guia turístico irónico" dos Left Hand Rotation é apresentado no dia 19. "Vai trazer muita polémica, mas pensamos que é mesmo necessário este olhar crítico sobre os monumentos e a memória colectiva."

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Padrão dos Descobrimentos, vandalizado em 2021
DR/Roots&RoutesPadrão dos Descobrimentos, vandalizado em 2021
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É um guia turístico que obriga a olhar para 15 lugares de Lisboa com atenção redobrada. Relacionados com o colonialismo, a escravatura, as migrações, feminicídios, LGTBIfobia, epidemias ou guerras, os monumentos que são a base do roteiro turístico A Volta ao Mundo em 80 catástrofes – Especial Lisboa, dos Left Hand Rotation, será apresentado a 19 de Outubro, às 18.45, no átrio do Museu de História Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa (MUHNAC). "Sabemos que vai trazer muita polémica, mas pensamos que é mesmo necessário este olhar crítico sobre os monumentos e a memória colectiva", diz o colectivo à Time Out.

Mapa dos 15 monumentos (o 16.º ainda não existe)
DRMapa dos 15 monumentos (o 16.º ainda não existe)

Depois de, em Janeiro, o grupo activista ter disponibilizado (gratuitamente e em formato PDF) um "guia irónico" sobre Portugal, segue-se agora a mesma linha de raciocínio, sob a ideia de que o turismo, existindo, tem a obrigação de ser consciente. Como convite à reflexão, o novo guia sobre uma das cidades do momento, Lisboa, começa por mostrar como o terramoto de 1755 conduziu à procura de madeira noutros continentes para reconstruir a cidade. Uma forma de dizer que há uma "predilecção pela catástrofe" como motor da "operação lucrativa", ou de chamar o que vivemos há séculos como "economia do desastre", escreve Lorena Tabares Salamanca, da Colapso Plataforma Criativa, que colaborou neste projecto.

Da violência de género ao monumento por existir

Nesta tour, a casa de partida é o monumento em homenagem às vitimas do 11 de Setembro, na Avenida dos Estados Unidos da América, em Alvalade, através do qual Augusto Cid tentou simular, a partir do metal, uma parte das ruínas das torres. Segue-se para duas placas colocadas no espaço público lembrando a "violência doméstica", termo que o colectivo Left Hand Rotation faz questão de corrigir para "violência de género", pelo facto de ter sido exercida especificamente sobre mulheres. "Associações como a UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) publicam anualmente dados arrepiantes" sobre o fenómeno e, em 2012, colocou, com a Câmara Municipal de Lisboa, uma placa junto à Maternidade Alfredo da Costa. Nela, pode ler-se a seguinte frase de Luiza Neto Jorge: "Elas mortos irão fazer nascer."

Placa de homenagem aos mortos pela PIDE
DR/CMLPlaca de homenagem aos mortos pela PIDE

O guia prossegue pelos mortos da Grande Guerra (Avenida da Liberdade), vai até à intolerância homofóbica (Príncipe Real) – "se existe uma revolução social na era contemporânea, é aquela que surge dos movimentos transfeministas e LGTBIQ+", defende o colectivo –, não esquece os quatro homens assassinados a tiro pela PIDE nem as 100 mil vítimas do terramoto de Lisboa. Fica a a faltar uma peça, não no livro, mas na realidade: o memorial de homenagem às vítimas da escravatura, cuja localização tem sido muito discutida. "Não se dêem ao trabalho de procurar este monumento além da imagem 3D que mostramos neste guia. Representando uma plantação de cana de açúcar, de autoria do artista angolano Kiluanji Kia Henda e com o apoio da Djass (Associação de Afrodescendentes), o projecto vencedor ficou parado com a mudança de governo local em 2023, apesar de ter sido aprovado por unanimidade em 2019", criticam os autores. Recorde-se que a proposta de criação do memorial foi uma das vencedoras do orçamento participativo da autarquia, em 2017, mas ainda não foi concretizada (a Ribeira das Naus é a localização em cima da mesa, depois de se ter pensado no Campo das Cebolas).

Além da apresentação do guia, no dia 19, às 17.00, terá lugar a exibição do filme Monumento Catástrofe (2022), também da autoria do colectivo Left Hand Rotation, que o classifica como "um road movie em Portugal, uma viagem pelos espaços da catástrofe (colonialismo, guerras, escravatura, ecocídios, epidemias, feminicídios, etc.), num movimento contra a dupla paralisia do desespero e da indiferença". Às 18.00, acontece o debate “Erguer. Derrubar. Resignificar”, com a participação da ex-deputada Joacine Katar Moreira (ANASTÁCIA – Centro de Estudos e Intervenção Decolonial), de Susana Ferreira (York University, Toronto), de Lorena Tabares Salamanca (Colapso Plataforma Creativa) e dos Left Hand Rotation. A moderação será assegurada por Marta Lourenço, directora do MUHNAC.

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