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Jângal, a nova criação do Teatro Praga, estreia esta terça no São Luiz. Fomos espreitar a selva que isto é e voltámos um objecto ecológico.
Esta é fácil: o que é que se faz quando não há nada para fazer? Organiza-se pastas. Digitais, claro. Aquelas onde temos os ficheiros da nossa vida e que nem sempre deixamos arrumadas, que nem sempre estão bem identificadas. Ora Jângal é a nova pasta do Teatro Praga, onde, apesar de ser possível encontrar coisas estranhas, está tudo com o nome certo. Estão por lá bananas e donuts insufláveis que fazem pandã; um telemóvel à escala humana; uma abelha-drone; uma ventoinha curvada-triste; um monstro sob a forma de robô de limpeza; uma cascavel de loiça; um homem branco heterossexual. E o importante é saber que estes objectos são tão intérpretes quanto os actores. Em Jângal não há hierarquias. Nem salvação. Espectáculo para ver a partir de terça-feira no Teatro São Luiz.
Antes de prosseguirmos, há detalhes para apropriar. Estamos no Jângal, que é, afinal, uma pasta com identidades existentes e identidades não-existentes. Este é o primeiro ponto, que vem do conceito do filósofo austríaco Alexius Meinong, que foi uma das primeiras premissas do processo da Praga para esta criação. Depois convém também que se perceba que we’re in trouble, primeiro ficheiro do espectáculo que sempre teima em voltar, para nos lembrar, que, lá está, estamos mal.
Mal e numa selva, portanto é muito sobre ecologia e a filosofia da ecologia que aqui se reflecte. “Por um lado há a questão do antropoceno, a ideia de que estamos numa era em que há uma data marcada para o fim do mundo e que finalmente estamos a assumir que a culpa é toda nossa, ou seja, é uma coisa catastrofista mas sabemos que o resultado é culpa directa do ser humano. E depois surgem as teorias de Donna Haraway, que nos diz que se estamos nesse trouble, devemos ficar no problema, no imbróglio”, explica Pedro Penim, da direcção artística.
Sim, é isso, o que estas teorias sugerem é que se já estamos na lama, mais vale ficar por lá, acrescenta José Maria Vieira Mendes: “O activismo ecológico de gente como Al Gore, por exemplo, diz: reparem como a natureza é bonita e reparem como a destruímos, mas a partir dessa constatação não há diálogo possível, continua a fazer essa separação entre a natureza e o homem. O que este Jângal faz é nivelar essa hierarquia. Ou não chamamos nada à natureza, ou então a natureza é tudo, pode ser este telemóvel, estas calças, pode ser tudo.”
Pode ser uma tareia de ficheiros transviados, antinormativos, inseridos numa pasta onde cabe tanta música e tanta imagem, que o texto é só mais um ficheiro. Se a selva é como este Jângal, o melhor é começar fazer as malas.
Dramaturgia André e. Teodósio, José Maria Vieira Mendes e Pedro Penim
Com André e. Teodósio, Cláudia Jardim, Gisela João, Jenny Larrue, Joana Barrios, João Abreu e Joana Brito Silva
São Luiz Teatro Municipal. Ter-Sáb 21.00. Dom 17.30. 5€-15€.