Há dias, em jeito de balanço, fiz uma revisita através da Internet por alguns dos restaurantes sobre os quais escrevi, nos últimos cinco anos. Foi desolador perceber que muitos, entretanto, fecharam.
Não estou a falar de restaurantes de que não gostei. Estou a falar de restaurantes bons. Restaurantes que acrescentavam à cidade. Restaurantes cujos donos, cujos chefs, sacrificaram as suas vidas pela arte de cozinhar e servir.
As razões para o fecho terão sido diversas, mas o que parece evidente é que cinco anos são muitos anos para um restaurante. Um restaurante que sobrevive mais de cinco anos, com um nível alto de consistência e qualidade, é um caso raro.
Cinco anos em frente a um fogão equivalem a dez anos cá fora. Cinco anos a gerir cozinheiros e empregados de sala é como conduzir uma Kawasaki Ninja num trilho de lama.
Ora, o 150 Gramas existe há oito anos e há oito anos que é um bastião da restauração contemporânea de Vila Franca de Xira, com reviews que competem com as do Belcanto (Google, esqueçam as outras). É de aplaudir e diz-nos que alguém sabe o que está a fazer e fá-lo com dedicação.
Lembrar que Vila Franca de Xira pode ficar perto ou longe da capital, consoante a A1 esteja desimpedida ou acidentada.
No caso, fim do dia, estava um corrupio de carros a largar da capital, uma corrida de Fórmula 1 em direcção aos subúrbios, buzinadelas e manobras perigosas, uma azáfama para ir apanhar o miúdo na creche e comprar as cebolas para a sopa e fazer a sopa e o diabo a sete.
Assim que meti as rodas na 2.ª Circular, pelas 19.00, a Antena 1 anunciou filas de dez quilómetros a partir de Alverca por causa de um acidente ocorrido às 16.00 (!). Nessa altura, Vila Franca de Xira deixou de ser o sítio encantador à beira de Lisboa para se tornar num inferno ribatejano. Demorei uma hora e vinte minutos a chegar ao destino.
Sem acidentes, teriam sido apenas 20 minutos, sempre por auto-estrada, sendo que se estaciona perto e não se paga parquímetro. Ou seja, vale a pena ir a Vila Franca de Xira, mas certifiquem-se, antes, de que não há acidentes na A1.
O meu conselho é que vão ao almoço e dêem um passeio à beira rio, com passagem pela Fábrica das Palavras, edifício premiado do arquitecto Miguel Arruda, onde se pode beber café e visitar a biblioteca, com o Tejo ali aos pés.
Uma vez no 150 Gramas recebem-nos com sorrisos e parece toda a gente focada na nossa felicidade, incluindo um dos donos, Ricardo Leal (o outro é o chef Pedro Teles), que vigia e vai às dobras, quando falha a explicação de um prato.
O menu é de fácil entendimento. Tem coisas modernas, algumas já vistas, outras originais, mas todas afinadas.
Para começar, há croquetes de ossobuco, bruschetta de anchova, chamuças de pato, e couratos braseados e carpaccio de carne de Rubia Galega. Vem tudo em louça bonitinha, tachinhos, tacinhas, pratinhos – a condizer com o espaço, que combina azulejos e plantas tropicais, cabeças de touro e tijoleira, Ribatejo e Bali.
Haverá alguns elementos posh, a gritar modernidade, mas o que importa é que logo a abrir ensoparam-se uma fatias de baguete magnificamente torrada em azeite Bare, delicioso. Na carta, diz-se que é da autoria do chef, o que não será exacto, ainda que possa ter sido feito a pensar nele.
Mas um restaurante que investe assim no azeite já ganhou pontos. O azeite pode não ser a gordura de sempre, em Portugal. Muita gente lembra que se usava mais a banha, que o azeite servia para alumiar. Mas sempre fomos um país de oliveiras. E se o azeite não é do passado, é do presente e deve ser do futuro – que a oliveira é uma sobrevivente e o azeite a gordura mais saudável e bonita.
Daqui se conclui que o 150 Gramas dá atenção ao produto. Isso viu-se a abrir mas também a fechar a refeição, quando se atacou a carne. O único descritivo do prato, no menu, era “rubia galega (mal passada)”, o que desde logo tem a sua beleza. Na mesa, correspondeu, fatiada em peças de dominó, com um aro em redor, no centro a carne encruada, sem ser em sangue.
(Vila Franca de Xira). 963 615 144. Ter-Sáb 12.30-15.00, 19.30-23.00. 20-30€