O cliente termina o seu bitoque, o empregado aproxima-se:
– E então, como achou a carne?
– Olhe, foi meio por acaso, ao virar uma das batatas.
A graçola, costumeira em almoços com o meu pai, assalta-me num almoço com o meu filho. Estamos de regresso ao Maravilhas, eu e ele, com mais três adolescentes que hoje tenho por minha conta. À frente de uma destas marabuntas pousa um bitoque. Quem não for de cá saiba que bitoque é termo português para um bife, aparadinho bastante para servir de sela a um ovo estrelado, ladeado com batatas fritas e, em regra, um maço de arroz e um tufo de salada. Ora, chamar bitoque ao que aqui temos é como olhar para o Kilimanjaro e chamar-lhe um cabeço. Na mesa temos uma península de novilho que extravasa a loiça, os tubérculos exilados num prato à parte, e eu pasmado entre duas dúvidas: se o gaiato dará conta do recado e se, mesmo frente a esta alarvidade, o meu pai insistiria naquela piada gasta.
No Maravilhas, a generosidade das doses sempre fez parte da equação qualidade/preço, por isso me lembrei de aqui vir saciar a récua esfaimada a que hoje venho atrelado. De caminho, vi a oportunidade para testar a cozinha nesta sua nova vida. Há dois anos, a casa trocou a morada esconsa onde enlatava 20 comensais à vez, por um novo endereço de dois pisos, cem metros adiante, onde agora se sentam uns setenta. Cresceu no espaço e no pessoal, nos preços e até no nome.
Voltemos à mesa dos mancebos e ao bitoque. É uma bela peça de um bicho tranquilo, sem nervos, um dedinho de altura, bem selada e rosadinha ao centro, alho e louro sem mais invenções (11,50€). Na manjedoura do lado, foi servido um entrecosto assado no forno (9€), carne a despegar do osso, ligeiramente estaladiça, em dose que também deixou um juvenil aflito. Os outros dois pubescentes bateram-se com uma vitela estufada (9€), a carne em fatias, aveludada com tomate, cenoura e vinho. Já eu, além de picar de tudo, matei saudades da língua de vitela (9€), que reencontrei tal qual me lembrava dela: firme, levemente gomosa, num guisado apuradinho também entre o ácido de tomate e o doce da cenoura. Em resumo, nesta mesa farta de proteína animal, mais pensada para ração do que para petisco, nada falhou. Tudo bem feitinho como antes, tudo bom produto como sempre.
Tenho saudades do velho Maravilhas, da pequena sala apinhada, da ementa com dias fixos e sem dias fracos. Mas, enfim, o tempo passa, tenho saudades do meu pai também. O Maravilhas decidiu crescer. A tasca ganhou pinta de bistrô, mas não perdeu a alma de casa de pasto. Os preços subiram modestamente, manteve-se o menu de conforto, sempre seguro, e um serviço eficiente, de simpatia tranquila.
Ao meu redor, quatro criaturas viçosas, empanzinadas e sem coragem para sobremesa – azar o delas, que a torta de laranja (2,90€) continua um mimo. Três vão rindo das minhas palermices, o outro, resignado, vai sorrindo das minhas repetições.
Sabem aquela do gajo que acaba de comer um bitoque...
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