Não conheço em Lisboa uma única taberna digna do nome – quero com isto dizer que não sei de taberna que se chame taberna e o seja realmente. Tradicionalmente, taberna pode ser qualquer coisa entre um sítio de vinho barato a granel (no sentido de bodega), uma casa modesta de comes e bebes (no sentido de tasca), ou um lugar de baderna e bagunça (no sentido figurado). Ultimamente, tenho sentido que tudo isso define o que uma taberna hoje não é. E a Taberna do Lopes não é excepção.
O que o Lopes decidiu chamar de taberna é, na verdade, um bistrô catita, especializado em carnes maturadas de raças autóctones portuguesas. A casa, venho a descobrir, mudou- -se para aqui vinda de Guimarães, onde era já afamada entre carnívoros; e Carlos Lopes, o dono, está no negócio das carnes e gaba-se de ser um dos fornecedores do El Capricho, restaurante em León, que a Time também gabou por servir a melhor carne do mundo, e que também se apresenta como bodega embora esteja muito longe de ser uma taberna.
O nome completo do lugar é Taberna do Lopes First Floor, mas a história começa no rés-do-chão. Aí se avista o “Santuário da Carne”, toponímia para a montra frigorífica onde jazem lombos inteiros de bovino, com maturações a começar nos 30 dias, alguns já com aquele aspecto marmoreado de calhau antigo em exposição no Louvre. Lá em cima, acomodam-se uns 40, entre uma sala acolhedora e um terraço feito jardim de Inverno, jazz de elevador e um no se que de espanhol, que se estende do gosto chique na decoração à cerveja da casa (Mahou) e à água mineral (Solan de Cabras, aquela das garrafinhas azuis).
A mesa abre com um cestinho de broa de milho, Diana Krall e um trio de azeite, azeitona e manteiga de ervas. Tudo tranquilo. A carta, percebo agora, divide-se entre a steakhouse e alguma cozinha tradicional portuguesa, e tem ofertas diferentes ao jantar e ao almoço, quando tudo é servido a preços de amigo. Ora eu, que me estreio na casa pendurado num amigo, começo a dividir com ele um óptimo tutano de boi com cebola caramelizada (9€). O petisco serve-se no osso do bicho e come-se à colherada e com gosto, com o único reparo de se fazer acompanhar por umas fatias de baguete também ao gosto espanhol, brancas e farináceas. Numa segunda visita, experimento uns preciosos croquetes de carne maturada (6,90€), que chegam em trio, acamados numa alioli suave.
Adiante, o meu amigo aposta num lombinho de boi maturado (14€), que ao jantar há-de dobrar o preço (28€), mas dificilmente dobrará esta boa porção do almoço. A carne chega impecável, selada a preceito, interior cru, sal grosso no final, raminho de alecrim a perfumar. Na segunda visita, comprovo os pergaminhos das carnes maturadas e a arte da grelha. Provo uma vazia maturada de 30 dias e um costeletão maturado de 35 (10€ e 14,50€, preços de almoço), convenço-me de que o Lopes tem aqui uma oferta muito difícil de bater em matéria de qualidade/preço, e fico a conspirar o dia em que cá hei-de vir provar a vaca de trabalho de Arouca com 325 dias de maturação, talvez pendurado noutro amigo qualquer (95€/kg). Entretanto, por cada prato de carnes, chegam dois acompanhamentos à escolha e acabo a prová-los quase todos: batatas fritas simpáticas, arroz de feijão bem feitinho, excelentes grelos salteados.
Mas voltemos a hoje, o dia da estreia, em que me concentro na oferta exclusiva de almoço (pratos a começar nos 9,50€). Olho para a carta de vinhos, percebo que é cuidada, bem seleccionada e um nadinha salgada. Vai daí, peço o vinho da casa, pelas razões de sempre: porque é um bom indicador de brio, porque sou forreta e porque me esqueci que hoje não era eu a pagar. Trazem um óptimo Dão, na temperatura certíssima, cheio de frutos vermelhos a cair que nem ginjas sobre as carnes.
Quanto ao prato, sigo o meu instinto taberneiro e atiro-me ao cozido (12€), pensando que o Lopes há-de o servir com carnes que lhe façam justiça. E penso bem. O que me chega é uma oferta excelente de enchidos, chichas, gorduras e cartilagens, entres suínos e bovinos de boas famílias, acompanhados de belíssimas couves, batata, nabo e “I Got You Under My Skin”. E eu a sentir-me qual Elvis Costello numa quinta-feira, entre a voz ensonada de Diana Krall e as tentações de um bom cozido.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pegas suas refeições.