Tinha sido um dia duro e quando cheguei à porta do Aheste percebi que era aquilo de que precisava: uma mesa calma e isolada, numa ruela escura de São Bento, longe da agitação do Cais do Sodré-Príncipe Real.
Da rua, mal se dava conta do lugar, de tão pequeno e discreto. Lá dentro velas, apenas um casal à janela trocando fofices românticas, ou assim parecia no cenário de luzes baixas e música turca em fundo.
Lisboa já teve mais restaurantes destes, apenas 16 lugares, o dono na sala a anfitriar e uma ou duas pessoas na cozinha. Mas o aumento do preço das rendas terá acabado com o modelo: hoje em dia, para se financiar um restaurante de 16 lugares tem de se cobrar acima de 60€.
O Aheste não tem preços absurdos. Aberto há quatro meses, por agora só há menu de degustação. São 45€ e uma dúzia de pratinhos, fora bebidas. Mais do que isso pedem por um bacalhau à lagareiro, na Avenida da Liberdade.
O sítio foi-me recomendado por um amigo que tem um amigo turco a viver em Lisboa. Pessoas turcas a recomendar restaurantes turcos são um bom sinal. Depois de uma pesquisa rápida na internet, percebi também que a dona e chef foi convidada pela embaixada da Turquia para uma demonstração da gastronomia nacional, recentemente. Outro bom augúrio.
Faltava a prova. À chegada, a porta estava fechada. A chef Hayrish Yalçin, 35 anos, acorreu a receber-nos e apontou à mesa do canto. “Chá ou vinho ou cerveja turca?” Entretanto, chegou um bombonzinho de manteiga de cebola assada, belíssimo, com pão feito na casa.
O desfile prosseguiu em ritmo de Michelin. Hayrish sabe o que isso é. Apesar de ser farmacêutica de formação, passou por cozinhas de ponta, como o Midori, e estudou a arte de servir.
Não houve dois minutos de impaciência. Chegou tudo no momento certo e tudo leve. Foi difícil identificar alguns pratos, em parte por uns quantos serem originais de Hayrish, em parte porque na tradução para o inglês algo se perdeu no caminho.
Ainda assim, julgo ter identificado uns quantos clássicos, como a saksuka, uma salada especiada de tomate; mas também a lahmacun, um pão achatado de pasta ajin; e as dolma, charutos de arroz envoltos por folha de videira ligeiramente avinagrada; ou o İçli köfte, um bombonzinho da Anatólia, com recheio de carne picada.
Apesar da longa lista, acabámos sem qualquer entorpecimento digestivo, menos de duas horas depois da partida, o que é obra para uma degustação tão longa.
Coisas a melhorar? Neste nível de subtileza culinária, e com tantos pratos vegetarianos, faria sentido ter um menu com mais produtos da época (e menos tomate no Inverno, porventura). De resto, sendo das poucas mesas turcas no país, diria que alguns clássicos também seriam bem-vindos, como a baclava, que neste dia faltou.
Alguns pratos podiam também estar mais intensos – e eu suspeito que o comedimento no tempero é propositado, supostamente para não ferir o palato autóctone.
Em síntese. Eis um tesourinho em São Bento, onde se serve com amor e paixão uma cozinha delicada, com notas sempre suaves de sabores exóticos.
No final, fiquei com a ideia de que o projecto irá crescer. A chef contou-nos da sua vontade em ter mais lugares e mais condições. É um passo que nem sempre dá certo, sobretudo se estamos a falar de alguém com pouca experiência a gerir restaurantes. Mas pode ser uma mudança contabilisticamente necessária.
Eu diria que é para ir já. Antes que se faça tarde.