Tenho comido algunas massas com anchovas, mas nenhuma se comparou à deste A’paranza. A pasta é dura, bem mais do que o al dente tuga, dura mesmo, dura de Nápoles, região de origem dos donos. E o molho de anchovas e tomate cereja tem o balanço perfeito de gordura e doce, tudo envolvido já na mesa em burrata, uma decadência cremosa e escorregadia como o soalho do ClubJenna, uma das melhores coisas que podemos comer nesta cidade por 12 euros.
Fosse só isto e era muito bom, mas houve mais coisas notáveis. No A’paranza estamos na Itália do Sul e do mar, com pescado das lotas de Sesimbra e Peniche. Uma Itália que tem petinga e lulas fritas embrulhadas em papel. E tem pacheri, massa antiga de sêmola de trigo duro, como um macarrão grande, aqui com espadarte, tomate cereja e beringela. E tem fettuce com ovas de tainha secas (petisco raro em Portugal, mas célebre no Sul da Itália, onde são conhecidas como bottarga).
Numa das visitas, andámos pelos anti-pasti e quase ficámos por aí, tantas eram as atracções. Mexilhões abertos em limão e pimenta, cozinhados no ponto, tenros e suculentos. Polipetti affogati, polvinhos guisados, mesmo inhos, profundos no molho escuro de tomatada e vinho.
Outra coisa boa é que este italiano é franco e permite partilhar – longe dessas reminiscências dos anos 90, casas forradas a marcas importadas DOP disto e daquilo, com hidratos de carbono ao preço de carabineiros. Éramos cinco, pedimos quatro entradas e três pastas, sugestão da casa. No início, achei curto. Mas proprietários que sugerem a menos têm o meu apreço. E este revelou-se certo na previsão. Como também estava certo quando elogiou o vinho mais económico da casa, Alpedrinhas, da Beira Interior, a aguentar-se com tudo. E quando insistiu no tiramisù (como se fosse preciso), servido à fatia, um tijolo de mascarpone sem invenções, belo final de refeição para quem passa a grappa.
O A’paranza é mais um segredo recente da Penha de França, essa caixinha de surpresas da era Covid. Fica do lado da Graça e a abertura coincidiu com o início do confinamento. Fiz lá três refeições, todas belíssimas. Fora a cozinha, a sala é magnífica, limpa, arejada, luminosa, madeiras e betão e candeeiros. Acresce que o proprietário sabe de música – e isso nota-se. Numa coluna Marshall, assente num maravilhoso aparador, toca afrobeat, música do mundo e jazz.
(O que foi feito do jazz? Não do jazz pianinho para estudar, nem do que agora se dança em Inglaterra. O que é feito do jazz das cornetas, dos quintetos, jazz para ouvir parado, com um copo de uísque e grandes pensamentos? Onde anda o jazz dos buracos escuros a cheirar a tabaco?)
Resumindo. É ir, muitas vezes.
A crítica de Alfredo Lacerda foi publicada a 27/08/2021.
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