Aquele Lugar Que Não Existe
©Francisco SantosAquele Lugar Que Não Existe, Marvila

Crítica

Aquele lugar que não existe

3/5 estrelas
  • Restaurantes
  • preço 2 de 4
  • Marvila
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
Publicidade

A Time Out diz

Vive do anti-marketing, não tem redes sociais nem menus em lado nenhum e todas as fotos que tirar neste restaurante serão à socapa. Os donos querem que este sítio se mantenha Aquele Lugar Que Não Existe, envolvendo-o numa certa mística, por isso a única foto que temos do espaço é mesmo da fachada. Aos almoços há buffet, com saladas frias ou pizza, e aos jantares as propostas deste espaço são maioritariamente italianas (ao nível das pizzas, quase todas exóticas) e indianas. 

Crítica: 

“Peço desculpa mas não pode tirar fotografias. Nós somos Aquele Lugar que Não Existe.” A abordagem da empregada, assim que o meu amigo empunhou o telemóvel em direcção a uma masala de entrecosto com grão, pode servir de apresentação ao restaurante mais inclassificável de Marvila.

Já estava preparado para algo do género. Quando inaugurou, no ano passado, não houve apresentações à imprensa, nem qualquer comunicação nas redes sociais, página aberta no Facebook ou conta no Instagram. Tudo o que se sabia fora passado de boca em boca ou por fugas de informação na blogosfera.

Como é fácil de se perceber, o anti-marketing é marketing. “O meio é a mensagem”, aprenderam jornalistas e outros comunicadores com o sociólogo Marshall McLuhan. Mas fica a dúvida se a postura é programática – anti-redes sociais e anti-imprensa – ou se mera estratégia publicitária. Não nos é dito mais nada sobre o assunto, o que se sabe está à vista.

Coerente com o conceito, na entrada não se vislumbra sinal 
de que ali vive um restaurante.
Da Rua do Açúcar vê-se apenas um sofá, flores e mobiliário em madeira periclitante. Quem passa pode muito bem achar que é mais uma loja de parafernália vintage.

Ultrapassado o hall, o primeiro impacto é surpreendente. À direita, a cabine das pizzas; à esquerda, um bar aberto; em frente, um pavilhão enorme, com um pé altíssimo, de onde pendem malas velhas atadas por cordas. A decoração parece ter sido obra de um carpinteiro amador e louco, que foi enchendo o lugar de tralha perdida num sótão: mesas de snooker, baús, estantes desiguais, candelabros, ventoinhas.

Com isto, já lá vão cinco parágrafos e nem uma linha sobre comida. Tirem-se desde já ilações. Ao almoço, o regime é de 
buffet, dividido por cinco 
estações. Num canto, os sumos
naturais, com algumas misturas 
exóticas, como melão e figo da 
índia, ou melancia e goiaba. Do outro lado do pavilhão, as sopas de inspiração asiática (feijão e leite de coco – e funciona! – ou
 de lentilhas com gengibre, também boa). É também de um forno a lenha das imediações que vão saindo pizzas, depois distribuídas à fatia pelos empregados (morcela, farinheira com mozarela, frango – a massa fina mas sem personalidade). Na banca ao centro, de um lado, os frios (saladas de feta e tomate, melancia à fatia, azeitonas, hummus, guacamole), do outro, pratos quentes indianos, quase todos pouco condimentados, pouco picantes, pouco tudo.

Ambos os empregados que 
nos serviram, muito simpáticos, recomendaram uma visita nocturna. “À noite, é tudo à carta. Tem de provar as nossas pizzas exóticas.” Um deles foi muito enfático sobre o que deveria escolher e só por isso aceitei ingerir uma pizza que junta bacalhau e queijo da serra e outra de salmão fumado com ervilhas de wasabi e queijo-creme. De
 tal forma isto foi inusitado, que fiquei com um nó na cabeça. Quando me perguntaram se tinha gostado, não consegui responder de forma definitiva: souberam bem, mas não estava disposto a repetir a experiência.

O que posso afirmar peremptoriamente é que o kebab de frango veio seco e farinhento e o pão naan era afinal uma pizza com alho e salsa, acompanhada de molhos de iogurte, agridoce e malagueta.

Nos intervalos do serviço (aos solavancos), vale a pena espreitar a carta com atenção. Os pratos são ilustrados com pessoas em diferentes posições sexuais, nada muito explícito. Aparentemente, evita-se uma relação com o texto (embora o prato no “espeto”
 seja muito visual), como se as imagens procurassem apenas distrair o cliente da comida, competindo pela sua atenção.

Eu diria que n’Aquele Lugar que Não Existe ganha em tudo
 o que não venha da cozinha. Se fosse crítico de arte, dava-lhe quatro estrelas, se o meu lado esteta se sobrepusesse ao meu lado glutão dava-lhe quatro estrelas. Mas tenho esta mania de pensar que um restaurante ainda é um sítio onde uma pessoa vai para comer. Bem.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua do Açúcar, 83
Lisboa
1950-006
Preço
25€ a 35€
Horário
Todos os dias 11.30-16.00/19.30-00.00
Publicidade
Também poderá gostar
Também poderá gostar