1. Ararate
    Duarte Drago
  2. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoDolmá do restaurante Ararate
  3. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoSujuk do Restaurante Ararate
  4. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoArarate
  5. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoEspetadas do Restaurante Ararate
  6. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoPakhlava do Restaurante Ararate
  7. Ararate
    Fotografia: Duarte DragoArarate

Crítica

Ararate

4/5 estrelas
É arménio, acaba de abrir e é uma viagem notável. Não vamos esquecer tão cedo uns fígados e umas costeletas de borrego
  • Restaurantes
  • preço 2 de 4
  • Avenidas Novas
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Estou convencido disto: todas as cozinhas são boas,
 nós é que não as conhecemos. Por exemplo, eu gosto muito das nossas iscas, mas agora descobri o tjvjik — um guisado de fígados aveludado e ácido — e gosto muito de tjvjik, as iscas arménias. Mas se me tivessem dito há uns meses que a cozinha arménia era interessante, que as iscas arménias eram boas como as nossas, eu porventura teria duvidado. E quem diz iscas diz borrego. Diz cozido de grão. Diz salada de beterraba. Só para citar alguns dos petiscos deste Ararate.

É uma sorte haver um restaurante assim, em Lisboa. Abriu há pouco mais de três meses, mas já está no ponto. Parte do prazer tem a ver com a descoberta. Antes de lá ir, entre as poucas coisas que conhecia da Arménia estavam Henrikh Mkhitaryan, jogador do Arsenal, o mecenas Calouste Sarkis Gulbenkian e um livro de cozinha.

Foi este livro que me abriu o interesse pelo Ararate. O livro chama-se Kaukasis, foi editado em 2017 e é uma obra extraordinária. Apesar de Olia Hercules, a autora, ter ascendência arménia, trata da gastronomia de toda a região do Cáucaso, e isso inclui também o Azerbaijão e, sobretudo, a Geórgia – também já com casa de comidas estabelecida em Lisboa.

A cozinha do Cáucaso é uma cozinha de raízes, de fermentações, de ervas aromáticas, cheia de sabor, de contrastes, onde a ameixa e
 o tomate são chamados para espevitar pratos salgados. Uma cozinha numa encruzilhada, que vai buscar os khabab e as espetadas do ancestral inimigo turco (fronteira a oeste), os tahinis e os frutos secos do vizinho do Médio Oriente (fronteira a sul com o Irão) e as ervas aromáticas à Ásia, onde já está com um pé, mesmo sabendo que o Azerbaijão (fronteira a leste) sempre lhe fechou as portas.

Como os melhores livros de cozinha, Kaukasis não mostra comida apenas, é uma viagem, com fotos belíssimas de uma paisagem áspera e montanhosa, cenário habitual do Ararate, cordilheira mastodôntica que marca o planalto central da Arménia, é um símbolo nacionalista e dá nome a este restaurante.

Fiz lá duas refeições, recentemente, ambas ao jantar, ambas muito boas. O restaurante é grande e ambicioso, folclore q.b., muitos candeeiros, muita luz artificial num sítio que talvez pedisse iluminação mais baixa e intimista. Numa primeira visita, casa praticamente vazia, serviço expedito. Numa segunda visita, lotação a um terço, serviço ainda mais expedito, como se houvesse uma equipa de futebol de arménios a cozinhar para nós.

Há um empregado sénior que explica tudo e tem competência para sugerir. É fácil perceber quem é. De resto, tivemos também a atenção de uma simpática empregada nepalesa, sem distrações com a água e o vinho.

A primeira coisa a chegar 
à mesa foi o couvert da casa,
 pães achatados que ganhariam em ser ligeiramente torrados, 
e três molhos: um de feijão,
 outro de creme de queijo de produção própria e outro de tomate com pimento vermelho, ligeiramente picante. De seguida, experimentou-se como entrada
 a salada de beterraba fumada e queijo caseiro, tipo feta grego, 
bem boa. Ao mesmo tempo, já se estava a picar da tábua de enchidos e carnes secas: lasca de língua de vaca (pouco sal), outra de peito de pato (pouco sal) e duas salsichas secas e fumadas, cheias de especiarias, muito interessantes.

Já o caviar de beringela lembra o babaganoush, a pasta de beringela assada tradicional do Médio Oriente e Norte de África, aqui com pimentos em vez do tahini (pasta de sésamo), óptimo para barrar no pão. Mas o que é mesmo incontornável, da secção de petiscos, é o já citado guisado tjvjik, bem como o dolmá. O dolmá são charutos de carne de vitelão e arroz, embrulhados em folhas de videira, outra criação de influências árabes – suculenta, aromática, a videira tenra e verde. Outro clássico arménio: o satsivi, que é um tachinho de pedaços de peru (a galinha é mais tradicional, mas o peru está bem) imersos num molho de nozes em pó, cozinhado a baixa temperatura até parecer um cremoso de natas sem natas. Maravilha.

Nos principais, o restaurante vende muito uma sopa de grão de bico, apresentado numa tigela de barro, fechada com massa de farinha — espécie de cozido de grão que alimenta duas pessoas e nos cheirou muito bem. Há no entanto toda uma secção de espetadas, assadas em lume aberto, que é preciso experimentar. As de borrego foram sugeridas pela casa e muito bem. Devem ter sido marinadas em ervas e molho de pimenta e apresentaram-se magníficas, podadas de gorduras rançosas, caramelizadas por fora mas tenras.

Igualmente fantástica a espetada de khabab de vitelão, a carne picada com especiarias e muitas ervas aromáticas. Para fechar, provaram-se 
duas sobremesas, saltando-se a 
já conhecida – e normalmente dulcíssima – pakhlava. Bolo
 de mel, que era mas é uma
 versão sofisticada do nosso bolo de bolacha. E um doce de oportunidade, cujo nome escapou até ao empregado mais sábio – atirou que era um sudjuk, mas não me parece – e que consistia numa salsicha com a consistência de uma goma à base de uma bebida licorosa e frutada, com nozes no meio. Soube muito bem.

Em síntese, eis a Arménia a provar que todo o mundo é para comer. A cozinha do Cáucaso só agora está a chegar e suponho
 que veio para ficar. Assim os proprietários mantenham o empenho em usar os produtos e
 as técnicas originais, sem cair na tentação de começar a atalhar com substitutos pobres, e este Ararate chegará a muita gente.


Sobre os preços. Tendo em conta que o restaurante quer 
fazer tudo de raiz, dos queijos aos molhos, passando pelos pães,
 são mais do que justos. Pode no entanto variar muito. No primeiro jantar, comi por 20 euros com um copo de vinho. No segundo, com
 o meu sogro glutão, uma garrafa de tinto Diálogo (Dirk Niepoort), espetadas (os pratos mais caros) e um exagero de entradas e petiscos, a coisa trepou para os 45€ por pessoa. Diria que com 25 ou 30 euros duas pessoas comem e bebem muito bem, mas o ideal é ir com mais companhia e provar de tudo.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Avenida Conde Valbom, 70
Lisboa
1050-099
Preço
Até 30€
Horário
Ter-Dom 12.00-00.00
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