Lula com ovas de bacalhau. Só assim. “Parece estranho, ainda por cima cru”, diz a minha companhia, lendo a carta. Parece, sim. Proteína animal com proteína animal. Nem uma batatinha, nem um feijãozinho verde. Estranho.
E, no entanto, o ika mentaiko (8€) do novo Aron, no Mercado 31 de Janeiro, foi a melhor coisa que comi esta semana. Quando a lula entra na boca, cortada em juliana, é um veludo fresco pincelado por água de mar e citrinos; assim que a trincamos, a sensação muda: o amargo do cefalópode cru, o tecido esponjoso a secar-nos a boca, a pasta de ovas de bacalhau a olear as papilas outra vez, a ligar tudo, a intensificar a experiência – a levar-nos para uma praia no Japão, para Fukuoka, cidade que primeiro descobriu o encanto do mentaiko e onde os habitantes gostam de lhe acrescentar picante e sake.
Ajuda, naturalmente, que o mais recente restaurante do chef brasileiro Aron Vargas, aluno do venerável Takashi Yoshitake (Aya), seja o que de mais parecido temos em Lisboa com uma tasca japonesa de mercado. Mesmo ao lado das bancas de peixe fresco, é um cubículo escondido com duas salas mínimas: uma escura e mimosa onde está o balcão de sushi, outra luminosa, virada para a rua, em forma de avançado.
O peixe, naturalmente, é especial e demora apenas uns segundos a chegar da banca de peixe até à tábua do sushiman. Um amigo conta, inclusive, ter visto Aron a disputar com outro chef uma barriga de atum da peixeira Açucena, ali residente – e eu não duvido. A avaliar pelo sashimi que lá comi, onde não faltavam uns dominós de toro bem marmoreados (28€), o restaurante fica mesmo com a melhor parte.
O Aron Sushi mais velho, à Praça de Espanha, já era bem bom. Mas este, tendo a mesma carta, é outra coisa.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.