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©Ana Luzia
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As 10 tendências que marcaram a década (e aquelas de que não teremos saudades)

Na última década houve dez tendências gastronómicas marcantes. E outras dez que desaparecem, paz à sua alma. Descubra aqui quais.

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Há coisas que já estão de tal forma enraízadas nos nossos hábitos de consumo que já nem nos lembramos quando começaram. A verdade é que foi nesta década que começámos a ver chefs tatuados na cozinha, que começámos a partilhar pratos de comida e a petiscar em grupo, que nos lambuzámos com gelados artesanais italianos sem corantes ou conservantes e que prestámos mais atenção à cozinha asiática. Começámos a beber vinho a copo, deixando a febre do gin tónico para trás. E depois há as outras coisas que morreram e que queremos que fiquem bem enterradas – acabaram as trouxas de alheira e os cupcakes e a cozinha molecular já lá vai. Confira as 10 tendências que marcaram a década (e aquelas que não teremos saudades).

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10 tendências gastronómicas da década

Petiscos para partilhar

Petiscos cuidados para partilhar em ambiente descontraído. Foi esta a base estatutária das tabernas modernas, repetida quase semanalmente nas páginas desta revista. O chef Vítor Sobral tomou para si a fundação do conceito, com a abertura da Tasca da Esquina, em 2009. Mas o fenómeno teve origem no tapeo espanhol e no petisco de tasca e foi tão rápido e abrangente que é difícil saber quem o inventou. A única coisa que sabemos é que comer do mesmo prato passou a ser cool.

- rias

Hamburguerias, creparias, pizzarias, nutellarias, cevicherias, donuterias, ostrarias, bitoquerias, tapiocarias, frangarias. Os restaurantes com nomes acabados em -ria dominaram a restauração de monoproduto, também ela uma tendência – e das boas. Fazer bem uma só coisa, ser especialista numa só coisa, apostar numa só coisa tornou-se uma moda – não particularmente criativa ao nível do nome.

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Adeus toalha

E de repente alguém puxou a toalha da mesa e nunca mais a vimos. O que parece um detalhe mudou a maneira como se come em Lisboa. Sem toalha, os restaurantes pouparam na lavandaria, mas os comensais também ficaram mais soltos. Livres do anátema da nódoa, esbracejaram, riram alto e até dançaram na mesa que lhes deu de comer.

Chefes tatuados

Chegou a parecer uma condição de ingresso na profissão. A tatuagem está para o chef de 2010-2020 como o “toque blanche” estava para os franceses do século XIX. Garfos, facas, carpas, pratos, ovos, pães, tudo serviu para enfeitar os braços dos novos rock’n rollers da restauração lisboeta.

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Gelados artesanais

Em parte alicerçados em cursos rápidos feitos em Itália, uma nova geração de jovens começou a abrir gelatarias sem frasquinhos escondidos de corantes, conservantes e espessantes. Da mesma forma, a oferta passou a dar mais do que morango e chocolate, por vezes entrando em delírios criativos questionáveis, do pastel de nata ao cozido à portuguesa, mas elevando tremendamente o nível do cone ou copo.

Vegetarianos gourmet

É já uma coisa muito recente, de finais da década, mas a tendência é fortíssima e afastou os vegetarianos aborrecidos que dominavam a cidade. Adeus aos montes de alface e rúcula, adeus ao hambúrguer de seitan e ao queijo de tofu. A cozinha vegetariana desta década assumiu com orgulho os vegetais, não sentindo mais necessidade de parecer carnívora. Bastou juntar bons legumes, azeite, fermentados, picles, frutos secos, molhos e infusões – e a revolução aconteceu.

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Produtos biológicos

Aquilo que era uma tara da comunidade do saudável transformou-se numa tendência transversal que foi da alta cozinha ao bistrô. A razão é simples: acredite-se ou não nas virtudes terapêuticas dos produtos isentos de pesticidas e fertilizantes químicos, os (bons) biológicos têm mais sabor e mais textura.

Balcões

Conotados como bancada de beberrões ou poiso decadente de solitários, o balcão ficou – muito justamente – na moda nesta década e toda a gente quis ter o seu. Chefs com estrela Michelin e restauradores sofisticados disputaram de forma aguerrida o campeonato do balcão mais bonito, aliando frequentemente outro conceito popular: a cozinha aberta. O balcão passou a ser um espaço de showcooking e interacção. Ganhámos todos.

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Vinho a copo

Efeito do controlo do balão? Necessidade de emparelhar vinhos diferentes com pratos diferentes? Ou, simplesmente, prova de que estamos mais meninos e já não bebemos uma garrafa inteira? Enfim, a verdade é que o vinho a copo deixou de ser apenas aquela opção baratucha. Os melhores restaurantes dão, hoje, várias possibilidades de escolha, desde champanhe francês aos vinhos de intervenção mínima (outra moda).

Cozinha asiática

Primeiro deu-se uma espécie de renascimento do restaurante chinês, que vinha definhando em popularidade desde a célebre Operação Oriente, da ASAE, nos idos de 2006. Depois os lisboetas descobriram que havia mais do que sushi no Japão e as sopas ramen vingaram. E já na última metade da década surgiu o asiático moderno, agora não mais cozinha de um só país ou de fusão, mas uma interpretação de vários clássicos orientais, do dumpling à sopa tom yum, do yakitori aos spring rolls, do ramen ao bibimbap.

E mais 10 de que não teremos saudades

1. Ardósias

Alguém fez muito dinheiro com ardósias nestes dez anos, primeiro a servirem de quadro onde se mostravam os pratos do dia, depois como suporte de comida, numa aliança inquebrantável com o petisco para partilhar.

2. Cozinha de fusão

Bitoque com molho de ostra, empadão de kimchi, salada de alface com alga nori e outras misturas fáceis entre ingredientes orientais e receitas portuguesas eram um must em 2010 e deram azo a muita parvoíce culinária.

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3. Tablets em vez de menus

Parecia fazer sentido, parecia cool, mas assim que pegávamos num tablet ficávamos com a sensação de estarmos a ver folhas de Excel no escritório e não a comer em lazer. Comida não liga com tecnologia. Ainda.

4. Cupcakes

Foram uma das grandes bostas da década. Açúcar, sobre açúcar, sobre açúcar. Corante, sobre corante, sobre corante. Lá no meio um vislumbre de massa, uma compotazita. O pior do cake design condensado num bolinho de mão.

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5. Nomes compridos de pratos

“Carne de bovino barrosão em cama de espargos verdes, espuma de cogumelos boletus, gel de abóbora assada e manjericão, croûtons de alecrim desidratado e limão do Algarve”. No início da década era assim que os restaurantes sofisticados designavam os pratos. Hoje, reina o extremo oposto, mais isto: “Boi, abóbora, limão.”

6. Pratos não redondos

Quadrados, oblongos, rectangulares. Às tantas, os donos dos restaurantes pensaram que o prato redondo já enjoava. Mas não pensaram porque é que o prato redondo tem sido o eleito desde que se inventou a cerâmica, há 30 mil anos.

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7. Trouxa de alheira

Ainda hoje um certo tipo de cozinheiros adeptos do receituário espertalhão acha que embrulhar tudo em massa filo de supermercado é um golpe de génio e de grande efeito. A alheira foi durante muito tempo o recheio favorito dessas “trouxas”, cozinha de fast food a dar ares de tradicional português.

8. Cozinha molecular

Houve uma altura em que quem não soubesse fazer esferificações não podia ser chef. Era a herança de Ferran Adrià e do seu restaurante catalão El Bulli, pródigo em brincadeiras com agar-agar e espumas, que marcou o início do século de forma incontornável. Hoje, vemo-las quase como uma curiosidade histórica.

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9. Florzinhas

Prato sem flor era prato incompleto. A imagem do chef de pinça na mão a finalizar os empratamentos com uma flor de borragem foi repetida até se tornar num cliché sem sentido. Ainda hoje as vemos, mas estão a desaparecer e é possível que não resistam a este Inverno. Porque um prato não é um canteiro.

10. Risquinhos de balsâmico

Uma das batalhas desta revista, nomeadamente do seu crítico gastronómico, Alfredo Lacerda. Os enfeites de vinagre docinho, supostamente de Modena, pretendiam dizer às pessoas que na cozinha havia um chef. Normalmente não havia.

Década à lupa

Os anos 2010-2020 foram a década de ouro da restauração lisboeta, a década em que descobrimos que havia mais do que sushi e chop suey e em que o fine dining se democratizou.  Nestes dez anos, venceu o petisco e a tasca moderna, a alta cozinha portuguesa e as comidas do mundo. Há hambúrgueres que merecem sempre um regresso, dumplings, comida de tacho e pratinhos para partilhar sem ficar com um ratinho no estômago. Nunca foi tão entusiasmante comer na cidade – e as 10 casas que 

  • Coisas para fazer

Se nos dissessem, há dez anos, que íamos acordar a um domingo de manhã para ir a um brunch com drag queens na Lx Factory (aquele sítio semi-abandonado ali debaixo da ponte), visitar um museu futurista junto ao Tejo chamado MAAT, desviarmo-nos de turistas numa renovada Ribeira das Naus, ir de bicicleta eléctrica almoçar a um Mercado da Ribeira transformado em food court, beber um copo na Graça ou ir dançar ao Intendente? E se nos dissessem, há dez anos, que um T0 numa cave ia custar 600€ por mês? Diríamos que era tudo uma grande loucura. Mas foi essa loucura que vivemos em Lisboa na última década. 

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