1. Attla
    ©Manuel Manso
  2. Attla
    ©Manuel MansoCeviche de robalo com caldo de cenoura e coco, rabanetes, maionese de harissa e algas do Attla
  3. Attla
    ©Manuel MansoConglioni de alheira de caça com chalotas grelhadas, satay de abóbora e crumble de broa do Attla
  4. Attla
    ©Manuel MansoAttla

Crítica

Attla

5/5 estrelas
  • Restaurantes
  • preço 2 de 4
  • Estrela/Lapa/Santos
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Há um novo restaurante em Alcântara onde cabe o mundo todo, de maneiras criativas e improváveis. Fomos conhecer o chef André Fernandes e o seu Attla sazonal.

Um italiano reprovaria o conglioni de alheira de caça com chalotas grelhadas, satay de abóbora e crumble de broa. Seria um ultraje à massa, que numa versão clássica deveria ser antes com um molho de tomate e nunca com um molho com amêndoa, caril e leite de coco. André Fernandes admite a invenção, mas por que não? “Há coisas tão boas em tantos sítios. Gosto de pegar nas culturas e nas cozinhas todas, no melhor de tudo, e juntar num só”, explica, à mesa do seu primeiro projecto em Lisboa, o Attla, um restaurante com influências do Atlântico e de todo o atlas.

Crítica:

O eucalipto é uma árvore danada. Incendeia o país e cheira a Vicks VapoRub. Por outro lado, lembra-me a minha avó. A minha avó punha-me a inalar vapor de botões de eucalipto, quando era miúdo e estava doente. Gostava de estar doente em casa da minha avó.

A primeira vez que comi o gelado de eucalipto do Attla também houve sensações opostas. Ao princípio desconfiança – mais uma infusão parva? Depois, cremosidade, equilíbrio, a frescura de folhas mentoladas em contraponto ao conforto do chocolate do Equador, da alfarroba em areia – nada fora de pé, pouco doce, sal no céu da boca, textura, competência técnica.


Ainda assim era o eucalipto que sobressaía. E o eucalipto ainda tinha qualquer coisa de remédio para os brônquios.

Segunda visita, final de refeição. Depois de quatro pratos, estamos satisfeitos. Olho para o menu, as mesmas duas referências doces. O gelado de eucalipto impõe-se ao pudim de pimenta de Sichuan e granita, que também é excelente. Agora
 é uma música conhecida, faz disparar o coração como Beyoncé no Coachella, conforta como um pijama de ursinhos ou leite com Pensal. Eis a madalena de Proust, eis-nos outra vez a viajar para a nossa infância feliz.

Na cozinha do Attla tudo é próximo e distante, estranho 
e familiar. Mesmo em pratos
 em que reconhecemos uma combinação, há sempre um elemento desconhecido, um desafio. É assim com as línguas de bacalhau e molho pil pil. Por um lado, remetem para o célebre bacalao basco: emulsão de azeite, gelatina das línguas, alho e chilis; mas não estamos à espera que isso venha com ervilhas frescas e menta. Da mesma forma, os espargos braseados são comuns e aqui estão perfeitos na sua crocância fumada; mas o sauce maltaise, molho adocicado de laranja e ovo, faz-nos questionar o conjunto, até que ele se una na garganta e no espírito.

Normalmente, acontece assim com os pratos do Attla: mastigamos silenciosamente, trocamos olhares, será bom, será mau, até que a coisa cresce, é bom, ui é muito bom.

O receituário exótico não é fruto de uma intelectualização culinária. No caso, estamos perante experiência vivida e muitas viagens por parte do chef e proprietário André Fernandes. Aos 16 anos, estudava já numa escola profissional de cozinha em França e desde então, até há uns meses, nunca mais se fixou em Portugal. Hoje tem 31, e metade da sua vida aconteceu entre a Ásia e a América Latina, entre a cozinha Michelin europeia (aBaC, de Jordi Cruz, Plaza Athénée, de Alain Ducasse) e a alta hotelaria do Pacífico (Ritz-Carlton).


Não confundir, portanto, com esses jovens licenciados que viajam para ganhar currículo
 e regressam com um Noma
 ou um Arzak na lapela, todos inflados, quando na verdade passaram 90 dias a descascar topinambur e depois mais 90 dias a limpar cogumelos. O mundo está fundo em André, porque o mundo tem sido o seu lugar,
 a sua carreira. Não há sequer
a história do cozinheiro com raízes portuguesas que ganhou influências internacionais.
 Não há raízes portuguesas. É ao contrário. A cozinha, o produto português é uma aprendizagem que André Fernandes está agora a fazer, com a ajuda do subchef João Almeida, esse sim conhecedor da comida da nação. Esta é também a beleza e a originalidade do que acontece por estes dias no Attla.

O que é reconhecível é o
 estilo de restaurante. Estamos perante mais um exemplo do bistrô moderno, conhecido por bistronomie, de que já aqui se falou. Produtos sazonais, técnica sofisticada sem pirotecnia,
 o sabor sobre a forma, ética ecológica, ambiente informal, sapatilhas e blazer, a ministra
da Cultura a um canto, hipsters adultos noutro, nas colunas guitarras da África subsariana,
 nas paredes tábuas de cortar, tudo ensombrado por luz dedicada, velas, ambiente bom para namorar ou para jantar com amigos – decoração sem decorador, só a alma de Rita Chantre, fotógrafa, sócia e namorada de André, que desenhou o espaço.

A dimensão é outro ponto forte. São 30 lugares e 30
 lugares é o tamanho perfeito: suficientemente pequeno
 para ser um sítio exclusivo, suficientemente grande para nos distrair de nós próprios.

A carta usa também da filosofia bistronómica sem compartimentações. Não há entradas nem principais, apenas nove pratos, cada um entre os 10 e os 13 euros, todos porções pequenas para partilhar. Fora o couvert (com pão da vizinha Gleba e manteigas de alho confitado e presunto, e de cabra com pó
 de clementina), a empregada sugere duas porções por pessoa, mas suspeito de que um sogro transmontano resmungaria de fome. As doses são meias doses e a carne inexistente nestas duas refeições. A representar a proteína estão apenas seis pratos marinhos. Para além das citadas línguas
 de bacalhau, o notável camarão de ova azul, com bisque e leite 
de coco cítrico, a lembrar a tom yum tailandesa; sarda braseada, com os inusitados cogumelos cordycep, pão frito e uma fabulosa espuma de bechamel
 de miso de cevada; a obrigatória lula em caril da sua tinta, com cabelos de batata frita, outra maravilha; a inclassificável massa de azeite glaceada com cacau, santola e sour cream; e o lírio com broccolini (da família do brócolo, à venda como “bimi”), vinagrete de flor de citrinos e flor de sabugueiro. Tudo ou bom ou muito bom ou inclassificável.

O mesmo para as restantes opções vegetarianas, onde pontificam uns cogumelos royal grelhados com espuma de couve flor, espigos e cevada crocante, que se comem como quem devora um bife com molhanga.

O elemento que une toda esta loucura de referências planetárias e produto nacional é o chili – o picante, a malagueta. Perto de 70 por cento dos pratos têm um fundo picante, quase sempre muito suave, tão suave que isso não é explícito, o picante como base, o sal de André Fernandes.

As duas únicas falhas. Sendo a ideia do restaurante a de comida para partilhar, o natural era que os pratos fossem colocados ao centro da mesa e as pessoas se servissem deles para os seus próprios
 pratos individuais. Não é isto que acontece. Outra fraqueza: o vinho. Há a ideia de melhorar a carta de bebidas, mas neste momento a oferta não está ao nível da comida. De resto, isso não desmerece
 o essencial. O Attla tem bom produto, bom gosto, bom preço e emoção. Isto, meus amigos, vale ouro. Vale estrelas. Cinco.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua Gilberto Rola, 65
Lisboa
1350-154
Preço
35€
Horário
Ter-Sáb 19.30-00.00
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