Estava a contar os dias para ir lá jantar. Como o leitor mais atento da Time Out saberá, nós aqui damos um período de adaptação de três meses aos restaurantes, após a inauguração, para estabilizarem.
Às vezes, três meses não é suficiente. Outras vezes, já os encontramos em velocidade de cruzeiro.
Foi o que sucedeu aqui.
Às 19.45, o Bar Alimentar estava a todo o gás, o primeiro turno logo a encher a sala de 40 lugares, mais os bancos do balcão, e uma pré-algazarra civilizada.
O novo restaurante de João Magalhães Correia (Tricky’s) parecia o lugar mais procurado da cidade – apresentadoras de tv, influencers adultas, rapaziada de camisas tropicais e, claro, grande parte da clientela composta por pessoas estrangeiras, comme d’habitude, gente capaz de pagar 50€ por um jantar a uma terça-feira como quem vai ao snack bar.
Música ambiente altinha, conversas altinhas e o som do shaker à minha frente, do outro lado do balcão (balcão curto, mas divertido), a dar ritmo aos pratinhos.
Pratinhos, isso mesmo. Comecemos por aqui. Só há pratinhos. Se a cena do leitor é comida de quantidade, então o melhor é nem entrar. As porções são curtas, joalharia sem diamantes nem dourados. Quem quiser travessas de hidratos, não é aqui.
Lembro que no outro restaurante do chef João Magalhães Correia, o Tricky 's, a quantidade de comida também fora uma questão na crítica que escrevi sobre o restaurante, há dois anos. Mas a verdade é que, com o tempo, deixou de o ser.
O Tricky’s tornou-se, aliás, num dos meus restaurantes favoritos de Lisboa – e continua no topo, a provar que João Magalhães Correia é um dos mais talentosos e consistentes chefs e restauradores da cidade (é sócio de ambos os projectos).
No Bar Alimentar, todavia, o chef, que esteve oito anos em Itália (e isso importa para o caso, já lá vamos) tem ao seu lado a malta do Imprensa, o bar de cocktails e ostras da Rua da Imprensa (há mais acepipes, mas para mim é um bar de cocktails e ostras).
Essa aliança faz diferença, porque bartenders bons costumam trazer uma alegria semi-etílica e um registo convivial aos lugares de comer – algo que acontece aqui.
No caso, fui servido sempre por um membro da equipa do Imprensa, e ele sabia dos líquidos, mas também mostrou conhecimento dos ingredientes e técnicas dos sólidos – só falhando na indicação da salsa do panino com língua de vaca, que não era uma macha (mexicana), como foi indicado, mas sim salsa verde.
O erro, todavia, não diminuiu o prato, que confirmou a apetência de João Magalhães Correia pela extremidade bovina, recheio numa sandes prensada (panino, singular de panini, é a sandes italiana prensada), o pão crocante, salsa verde e alcaparras a espevitarem tudo.
A língua concluiu uma sequência deliciosa de coisas e coisinhas “italianizadas”, para usar a expressão do chef da casa, mas que começou como tantas vezes começam as sequências deliciosas, seja em Milão ou em Lisboa: saíram duas ostras, no caso das grandes, calibre 5, dois valores acima do calibre 3, eleito pela maioria dos fine dinings (ostras para gente adulta, para pessoas que já não se atemorizam com seres vivos carnudos – e aqui elas só vêm com a aguinha que o Sado lhes deu e assim está muito bem, nem o limão foi usado).
O resto do menu já falava quase só italiano. Belíssimos mexilhões em molho guazzetto, atomatado, espesso, como um escabeche cremoso, em cima de uma bolacha-brioche.
Excelente também a stracciatella com espargos e leguminosas, o creme lácteo de natas e mozzarella, aqui só com o senão de faltarem as favas anunciadas, mas com as ervilhas frescas, doces, delicadas, e por cima um chilli oil – grande prato, em todo o caso.
Chegou então a maior guloseima da noite. A polenta, crocante, tinha por cima tártaro de carne em maionese de tomate e parmesão ralado por cima e comia-se numa dentada, uma bomba de umami, levemente picante, como é do apreço do chef – e do meu.
Mais substancial, a fregola de polvo, versão italiana do nosso arroz de polvo. A fregola eram pérolas de pasta de semolina (trigo duro) tostadas, depois cozidas, como uns cuscuz redondinhos, o polvo cozido e depois assado, tudo envolvido num molho corrido extraído dos sucos do molusco.
A terminar, a única sobremesa disponível, servida ao jeito de mignardise de agradecimento, um tiramisù caseiro belíssimo – o álcool, o cacau, o café e o licoroso muito equilibrados com o mascarpone.
Falta falar da outra parte da refeição. As bebidas. Há uma carta de vinhos, boa, de pendor natural, mas em havendo disponibilidade (se me faço entender) eu vou pelos cocktails.
Não sou uma pessoa de cocktails, quando os cocktails são um mix de maus destilados, refrigerantes e xaropes aromatizados. Mas os cocktails do Imprensa são outra coisa – e há dos secos e elegantes – e pode-se correr parte da carta e acabar a festa em beleza.
O preço da conta não espanta, embora, se não tiver cuidado, pode rapidamente pagar mais de meia centena de euros. Justo? A cozinha não gasta matéria-prima de luxo, mas os pratos requerem muita mão-de-obra porque têm vários passos e é quase tudo feito de raiz
A única questão, no final, é até quando durará João Magalhães Correia. Os desdobramentos dos chefs por vários lugares costumam dar mau resultado.
Não gostava de ver o Tricky’s perder-se. Como também não gostava de ver este Bar Alimentar ir-se banalizando ao ritmo da sua celebrização.
São equilíbrios difíceis, por vezes impossíveis. Mas, por enquanto, ninguém ainda caiu.
Vão lá. Já. Este bar alimenta. E bem.