É um dos pop-ups mais citados nos bastidores do Instagram. Fomos lá antes do início das chuvas.
Como sempre acontece, a visita foi feita de forma anónima mas, na hora de agendar a fotografia do espaço para ilustrar esta crítica, os responsáveis pela Beato Island escreveram à editora da secção de Comer e Beber.
“Só gostávamos de pedir que ele [o crítico da Time Out] não ponha a morada exacta, por favor. Gostaríamos de evitar que as pessoas aparecessem à porta a pedir para entrar, como já está a acontecer. Queremos criar algum mistério e surpresa para os nossos convidados e clientes terem a mesma experiência que ele teve.”
Justo. A Beato Island é um pop-up. Um restaurante temporário, uma curta-metragem gastronómica, um filme. E os filmes não se contam. Vêem-se, vivem-se. Não iremos pôr morada, não iremos quebrar o mistério e a surpresa.
Um pouco da história deste pop-up, que não terá muito mais tempo de vida. A origem do projecto está no colectivo Food Riders. Criado em plena pandemia, o grupo começou por dedicar-se apenas ao take away, com sede numa cozinha fantasma na Penha de França. Formado pelos fundadores do extinto mexicano Pistola y Corazón, Marta Fea e Damian Irizarry, os Food Riders têm também a participação de Diogo Noronha, chef vindo do Pesca.
Dei nota de como é bom esse take away (continua activo) há uns meses, sendo certo que na Beato Island a carta é diferente. Aqui é Noronha quem está ao comando da comida. Há mais Médio Oriente do que México, há mais vegetais do que carne e peixe.
Chegados a esta introdução, como contar a experiência preservando o tal “mistério e surpresa”? O que sobraria para esta prosa?
A primeira solução foi optar pela recensão ao estilo da crítica de cinema e de teatro de referência, mas o rascunho acabou numa abstracção poética, ininteligível e onanista, como tantas vezes acontece.
Isso obrigou-me a seguir outro caminho. Para honrar o compromisso anti-spoiler, restava-me ir pela negativa. Dizer o que a Beato Island não é. E não é muitas coisas.
Inspirem, expirem. Vamos a isso.
A Beato Island não é o seu restaurante de bairro, nem o fine dining onde celebra o dia dos namorados.
A Beato Island não é uma marca com Instagram e morada no Google e também não é um sítio para onde se possa telefonar a reservar a mesa junto à janela da sala principal.
A Beato Island não tem janelas. Nem salas.
A Beato Island não é uma cozinha com fogão, Josper e exaustor.
A Beato Island não é isenta de couvert, nem dos molhos e das tortilhas caseiras do Las Gringas (secção da Food Riders dedicada ao México).
A Beato Island não tem máquina de lavar louça, nem louça (ponto verdadeiramente perturbador), nem – suspeito – água canalizada.
A Beato Island não tem entrada com porta de vidro espelhado e trinco eléctrico, nem um hall com flores de plástico, nem uma recepcionista de tailleur e meio salto encaminhando-nos para uma mesa atoalhada e puxando-nos a cadeira.
A Beato Island não é à prova de DJ.
A Beato Island não tem sanitas Roca, nem papeleiras Kimberly Clark.
A Beato Island não é adepta do “fazemos contas no fim”.
A Beato Island não tem uma carta de vinhos com os bestsellers de supermercado, arrumados por regiões.
A Beato Island não é heterossexual e não acha que os clientes o sejam.
A Beato Island não vai estar aberta quando começarem as chuvas.
A Beato Island não é escondida do Tejo mas não está à beira-rio.
A Beato Island não recusa emprestar camisolas em dias mais frios, mas não garante que elas não tenham estampado um desenho animado pouco apropriado ao seu blazer adulto.
A Beato Island não é amiga da pessoa anti-QR ou hostil ao home-banking e ao phone payment.
A Beato Island não é um lugar com iluminação pública e não tem candeeiros nem candelabros que permitam fotos macro dos seus pequenos pratinhos para partilhar.
A Beato Island não é agressiva para o meio ambiente.
A Beato Island não tem prazo, mas não é para sempre.
A Beato Island não deve ser desprezada pelo caro leitor que privilegia a comida sobre o conforto, a paisagem sobre a baixela.
Algures no Beato. Mais informações por DM na página do Instagram da Food Riders.co
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.