O novo poké bar da cidade tem malgas de peixe fresco para comer sem pressas, acompanhadas por cocktails e sakés. Chama-se Big Fish Poké e é o novo restaurante com chancela Multifood em parceria com a marca Poke OG, de Miami, no Cais do Sodré. Este é um sítio de pokés mais sofisticado e para comer sem pressas. Ao leme do novo projecto do grupo está o chef Luís Gaspar, da Sala de Corte, o restaurante de carnes a meia dúzia de passos deste poké bar, e Filipe Narciso, que será o chef residente. A carta do restaurante tem nove pokés – os do irmão de Miami e mais duas criações com “um toque português”.
Crítica
Estava a procurar o melhor ângulo para fotografar as vieiras braseadas, quando o empregado me abordou. “Se puser o prato aqui tem mais luz.” Cada pessoa sentada ao balcão – e o Big Fish Poke é um restaurante de balcão – tinha um foco, vindo de cima. A luz foi pensada propositadamente para que as pessoas consigam boas fotos de comida, prosseguiu o empregado. E não admira. O poké é um sucesso planetário das redes sociais, é sobretudo isso.
As instagramers de açaí, aforismos lamechas e auto-retratos do rabo ficam doidas com o poké. O poké é redondo, cheio de cores, texturas e camadas. E é saudável como uma surfista do Havai, arquipélago onde o prato nasceu e prosperou. O poké junta o arroz branco japonês, ceviche (o atum é o peixe mais tradicional), a salada tropical e o molho de soja.
Há nuances, claro, sobretudo quando os chefs pegam no assunto. Curiosamente, os dois pokés mais interessantes da cidade têm marcas autorais: o de Kiko Martins, no El Corte Inglés, e este, com assinatura de Luís Gaspar, residente da Sala de Corte e homem para toda a obra do grupo Multifood, dono do Big Fish Poke.
Mas enquanto Kiko Martins aposta nos molhos (e bem) e despreza o arroz, ao ponto de nalguns casos aquilo não ser poké nenhum, Gaspar mantém-se fiel ao arroz na base, ligeiramente glutinoso e tépido; a arte e a criatividade estão no topo, nas coisas e coisinhas, nos cubinhos de peixe, nos grãos, nas ervas, nos óleos e nas especiarias, no domínio das texturas – isto sem desmerecer a qualidade do produto.
A abrir, oferta da casa, bolacha de salmão com chili doce: crocância, acidez, tudo muito equilibrado, bom para fazer salivar. A seguir veio umami líquido numa sopa de miso, versão com dashi de cogumelos shitakes, previsivelmente um caldo onde se usa o líquido da hidratação dos shitakes secos, misturado com pasta de miso, esta feita à base de arroz e soja fermentados. A boiar, cogumelos enoki como tufos de alfinetes grossos, rabanetes, e óleo de sésamo torrado, essa maravilha multiusos.
Ainda nas entradas, vieram vieiras braseadas com molho XO (invenção de Hong Kong, tradicionalmente feito de marisco e peixe secos, com chiles, cebola e alho), “dynamite aioli” (um estalinho de Carnaval, na verdade), sésamo e umas micropérolas de farinha de arroz, estaladiças como petazetas.
Seguiram-se então duas tigelas de pokés. As descrições são compridas e precisam de dicionário japonês. O de camarão com vinagrete de trufa: furikake (condimento seco de algas, peixes secos e especiarias moídas), arroz Yumenishiki (marca japonesa premium, de bago curto), edamame (feijão da soja), kyuri (pepino japonês), bubu arare (as tais bolinhas de arroz crocante). Quanto ao poké de polvo: outra vez o arroz, milho frito, kyuri, cebola roxa, creme de abacate, coentros, alga nori, kimchi, lima. Muitas coisas.
A terminar, nos doces, o arroz doce com coco fresco lascado, manga e gelado de matcha. Respiramos fundo, eu e a minha amiga. Tentamos processar.
A Multifood chegou àquele momento em que não faz nada mal. Sabemos quando entramos num restaurante do grupo de Rui Sanches que o arroz branco virá tépido como deve vir e que o cebolo será fresco e que a porta da casa de banho será de madeira maciça e abrir-se-á com um clique e que os copos serão de cristal austríaco e que haverá aquele saké que só duas pessoas conhecem em Lisboa. E também sabemos que sairemos de lá com menos 35 euros, se formos contidos, 60 se formos relaxados. Quanto a Luís Gaspar, já aqui o elogiámos: é muito rigoroso nos balanços, exigente na técnica e inteligente nas combinações. Dito isto, dá a ideia que lhe deram o poké para pintar por cima, mas o poké dificilmente deixa de ser aquela coisa para instagramer postar entre a foto do traseiro e a frase tonta.
Atenção, é quase tudo bem feito. O problema está no resultado final, que nos deixa meio indiferentes. No poké de camarão, o vinagrete de trufa sobrepôs-se ao marisco, mas acresce aqui, como aliás no poké de polvo, uma dispersão de elementos pequenos, que não nos deixam na verdade ter uma ideia de um prato uno, mas sim de um monte de ingredientes díspares sobre um bolo de arroz, bastante arroz. Não é que esteja mal, não é que saiba mal, mas também não é espectacular e dificilmente justifica os 16, 17 euros que se cobram por cada um destes pratos. Falta fogo ou falta intensidade ou falta alguma coisa que evite que o conjunto seja um emaranhado de pecinhas soltas e multicolores.
Carta de vinhos curta, seleccionada mas sem opções económicas, sobretudo a copo.
Sobre o serviço e sobre o balcão. Um balcão serve essencialmente para três coisas: preencher o vazio da solidão, distrair-nos de uma companhia aborrecida ou entreter-nos com truques de facas e lançamentos de frigideira. No caso, o balcão do Big Fish Poke tem uma aplicação extra. O seu formato em U está desenhado para ver e ser visto. Estamos de frente para um homem do outro lado do U, a uns quatro ou cinco metros de distância, e conseguimos contar os sinais que tem no pescoço. É, portanto, um balcão social, um balcão mais indicado para duplas descomprometidas do que para lobos solitários. Mas é bonito. Senta uns 20 voyeuristas e é acompanhado por uma prateleira presa ao tecto de garrafas e flores artificiais, de onde sai o tal foco apontado a cada lugar.
Em síntese. O Big Fish Poke é um restaurante belo, com comida bela não particularmente incrível, de onde saímos com a ideia de que alguém andou a brincar aos conceitos estrangeiros muita giros.
ERRATA: Na edição 617, que chegou às bancas no dia 24 de Julho de 2019, a crítica ao restaurante Big Fish Poké aparece, erradamente, com quatro estrelas. A classificação atribuída pelo crítico Alfredo Lacerda é de três estrelas.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.