Continua a ser preciso tocar à campainha e depois há aquela sensação de entrarmos num british club, onde se fala baixinho e se conspira contra a República. Mas a vibração, lá dentro, terá mudado – da mesma forma que Lisboa mudou.
Em tempos, o Café do Paço foi esse sítio semi-iluminado, com sofás de veludo, onde políticos, jornalistas e artistas podiam ir comer um bife à meia-noite e ficar a chupar cigarros até o fumo encrespar o cabelo.
Parte disso acabou. É verdade que me cruzei com um eminente senador do PSD e havia mais um ex-ministro na sala. Mas jornalistas e artistas nem vê-los (à excepção de mim próprio, em missão).
Quanto a políticos, ainda podem pagar bifes do lombo (25,50€), mas boa parte terá trocado a discrição decadente do restaurante no Paço da Rainha, perto do Campo Mártires da Pátria, pela exposição “da barra” do JNcQUOI, na Avenida da Liberdade.
O que mais se vê no Café do Paço, hoje em dia, é um mix de pessoas encamisadas. Tios nostálgicos em jantar de aniversário; jovens empreendedores fartos do bistrô vanguardista; estrangeiros seguidores dos “hidden gems” anunciados em guias da cidade; expatriados de Gucci ao peito.
A receita culinária do restaurante, por sua vez, mantém-se a mesma – apesar dos dois sócios que davam a cara pelo restaurante terem saído e a casa ter sido comprada, recentemente, pelo grupo Paradigma (Canalha, Ofício, Lota d’Ávila…).
Uma folha do menu conta-nos tudo, das entradas às sobremesas. Mesmo antes de a ler, os empregados já nos convidam a começar com o croquete, que chega logo depois, com duas tacinhas de mostarda, uma de tipo Dijon, outra de tipo inglesa.
O croquete é frito no momento e vem seco e limpo de odores queimados, mas o recheio lembra um patê, a carne mastigada, sem estrutura. É um croquete ok, pouco maior do que um dedo polegar, mas um croquete ok num templo de bifes desilude.
No couvert, há uma manteiga indiferenciada e um patê e o pão é dessas bolinhas industriais ligeiramente torradas, tudo também ok.
Quanto a bifes, contam-se três versões: bife à Café do Paço, ao alho e com pimenta preta.
O mais popular é o à Café do Paço, inspirado no Marrare, nome oriundo do célebre italiano novecentista, detentor de vários café em Lisboa, onde a receita do molho terá sido inventada.
Falamos desse líquido que parece amanteigado, mas não é e que uma determinada cadeia de restaurantes deturpou prolixamente.
Aqui, o empregado anuncia-o como levando natas, vinho branco e molho inglês, mas pareceu-me também estar aromatizado com louro e alho – e ainda bem.
É um bom molho Marrare, porventura ligeiramente mais líquido do que era suposto, ainda assim a cumprir a função de ensopar o bife e as batatas e o pão.
Pescou-se ainda do bife de três pimentas, que parecia com o molho igual, apenas polvilhado da especiaria, sendo ele também a mesma base do bife do lombo frito com alho.
Em cima dos bifes, pediu-se um ovo estrelado (mais 2€), a gema no ponto, a clara bem cozinhada, mas pouco acastanhada na base para o meu gosto.
Como acompanhamento, veio um esparregado de folhas verdes (espinafres?), triturado e aquoso, com alho, mas pouco avinagrado.
Também incluído no bife surgiram doses individuais de batata frita, cortada à mão em palitos. Eram umas batatas ligeiramente amolecidas, mas indistintas das batatas do snack bar do bairro.
A terminar, quatro sobremesas: quente e frio, mousse de chocolate, farófias, encharcada e requeijão com doce de abóbora. E uma fruta boa para cortar a gordura: abacaxi.
Em síntese: o Café do Paço continua, no essencial, igual ao que foi, se entendermos que os preços e as pessoas não são essenciais.
Sobre as pessoas, estamos conversados. Sobre os preços, eles não são escandalosos, mas são altos.
Por uma refeição destas, sem vinhos de luxo, facilmente se pagam 40 a 45€. É verdade que o lombo é uma peça cara, mesmo não sendo um lombo de raça xpto e maturado (ainda bem). Mas podemo-nos questionar: precisamos tanto assim de lombo nas nossas vidas? Um bife frito com ovo a cavalo vale 27,50€?
Bem, depende. O meu sogro, a quem já lhe custa mastigar, diria que sim. Eu diria que não. Mas também diria que as pessoas devem ir ao Café do Paço, pelo menos uma vez na vida.