Se me dessem a escolher cinco destinos gastronómicos onde gostaria de ir – já! –, o Irão seria um deles. O país é um colosso desconhecido, porque se fechou e foi fechado pelo papão Khomeini, mas toda a gente que conheço que lá foi veio encantada: com a paisagem, com as pessoas, com a comida.
Não admira. O Irão nasceu em berço de ouro. Está na transição para a Ásia e tem a influência mediterrânica de países a Ocidente, como a Turquia, a Síria e o Iraque. Temos frutos secos (pistáchio, muito pistáchio), molhos de iogurte com ervas frescas (menta, muita menta), romã, peixes jurássicos do mar Cáspio (e o caviar, claro) e temos as especiarias do Oriente, das indianas às locais, com destaque para a lima seca e para as pétalas de rosa.
De resto, apesar de os restaurantes libaneses encantarem Paris e o mundo, quais pontas de lança da cozinha do Médio Oriente, é o Irão que empunha o estandarte da alta-cozinha da região. Não só há aqui uma diversidade maior, fruto da confluência histórica de diversos povos e religiões (antes de ser instaurada a teocracia islâmica na última metade do século XX), como a natureza imperial do país deu origem a uma culinária própria e opulenta.
Ora, não sendo necessariamente a opulência o maior talento de Pooneh Niakian, proprietária do Cafeh Tehran, a visita é obrigatória.
Descobri o sítio demasiado tarde. Parei lá ao acaso, enquanto deambulava pela Praça das Flores. Há muito tempo que não ia para aqueles lados – e lamentei. A Praça das Flores é um recanto idílico de sombra e passarinhos dentro da cidade. Em redor, muita coisa mudou. Há uma dúzia de lojas e restaurantes, sempre com grande rotatividade, à excepção do Pão de Canela, bastião do lugar. Uma das novidades boas é a Mobler, padaria-bistrô-e-loja-de- -mobiliário – tudo em bom e bonito, já a descer para São Bento.
O Cafeh Tehran, por sua vez, fica em plena praça, na ala a norte, uma porta discreta com meia dúzia de mesas sobre a calçada. Lá dentro, há uma primeira sala, mais pequena, e depois desce-se para a zona do bar. A música alterna entre um indie suave e ritmos orientais, tudo em modo baixinho e sereno, a condizer com os adereços espalhados pelo espaço. Não há folclore, mas sentimos o Oriente e uma pulsão artística sem fronteiras.
Pooneh terá uns 30 anos, nasceu no Irão, mas vive desde os dois anos de idade em Portugal. Anda entre a cozinha e a sala, cumprimentando os habitués. Percebemos que estamos nesses lugares marcados pelo dono. O modelo reflecte-se na carta, curta e amovível e maravilhosa.
Para começar, frutos secos picantes tostados, ligeiramente caramelizados. No couvert, destaca-se uma focaccia que Pooneh trouxe dos tempos em que trabalhou na L’Éclair, aqui para molhar numa pasta de pimento e nozes ou num dip de iogurte e espinafres, o famoso borani iraniano. Voltaremos a sentir o borani, aliás, na obrigatória sopa asheh reshteh, com cereais tostados, grão verdadeiro, espinafres, cebola frita, um caldinho quente que garante os mínimos nutricionais.
Mas é difícil ficar por aqui, mesmo se saltarmos o célebre hummus de beterraba. Gostaria de provar a sopa de tomate com koofteh (almôndegas) de vaca e borrego, no tempo do tomate – coisa que não fiz. Mas é possível comer o koofteh como prato principal – coisa que fiz –, as bolas densas e coladas a nadar em tomatada, no topo batatas fritas finíssimas e estaladiças.
Para adoçar, a tarte de amêndoa persa é riquíssima, com chantilly de cardamomo, pétalas de rosa e pistáchios. E costuma haver uma versão menos açucarada, com fruta fresca a substituir a tarte. Nas bebidas, poucas opções nos vinhos, mas interessantes as infusões de pétalas de rosa, gengibre e menta, bem como o chai, mistura caseira de chá e especiarias. Nas cervejas, opção da Coral, a mesma marca da sidra disponível.
Longa vida ao Cafeh Tehran. Que floresça e evolua, com mais pratos e mais ingredientes trazidos de longe.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.