Sentada à mesa da Cantina Peruana, no varandim do primeiro andar do Bairro do Avillez, numa noite de semana com casa cheia, apercebi-me de que José Avillez, além de chef, agora também é senhorio. Desconheço, e de nada me interessam, os detalhes contratuais, mas sei que de certa forma o que fez ao abrir as portas de uma das suas casas mais populares (não são todas?) ao chef e amigo Diego Muñoz, e ao afirmar à imprensa que a ementa é toda do peruano e só o ajudou nos acertos de cortes de peixe, na ponte com produtos portugueses e alguns sabores, está, de certa forma, a ser um daqueles senhorios que até dá o nome de um faz-tudo impecável quando arrenda a casa. Mais: todo o site da Cantina Peruana fala em Diego Muñoz, no chef que está aos comandos, Yuri Herrera, também natural do Peru, e isso só confirma a minha ideia.
Porém, além do espaço e do staff (com a mesma simpatia da equipa do andar de baixo), da linha de decoração, daquela fluidez de funcionamento presente em todos os restaurantes da marca (acredito que os restaurantes existem para, além de servir refeições, proporcionar experiências, e isso, as casas com selo Avillez conseguem muito bem), aqui a comida é nova para o chef Avillez, para o palato dos lisboetas e até bem diferente até de outros conceitos peruanos que já existem em Lisboa.
Delirei com alguns pratos, encantei-me com outros, achei outros assim-assim, mas no geral a experiência chega às quatro estrelas – porque tudo se resume à velha questão “Ó Marta, mas voltava?”, e eu voltava, até porque há algum Peru que ainda gostava de provar. E aqui devo dizer que não segui o recomendado de pedir quatro a cinco pratos por pessoa, mas sim seis para duas pessoas, e ninguém saiu com fome.
Lá em cima, no topo do melhor do jantar, ficou o ceviche clássico (6€). Uma pequena dose de fatias de peixe – um bom carapau, no caso –, polvo muito tenro, tiras de batata doce crocante, cebola roxa e um ají picante ao de leve, com um leite de tigre excelente, com boa acidez. Tudo junto a casar de forma perfeita na boca. Belíssimo também o aeropuerto capón (6€), um prato de influência chinesa no Peru, onde aterra de tudo um pouco. Trata-se de um arroz frito com char siu (uma carne de porco marinada num molho doce e cozinhada habitualmente no espeto), bem perfumado, com toques de gengibre, que leva uma tortilha de ovo no topo. Interessante também o choclo con queso y albahaca (6€), um milho gigante do Peru adocicado, cuja doçura é cortada pelo queijo de cabra, o pimento e a casca de lima.
Engraçado o anticucho de cerdo nikkei (4,50€), duas espetadas pequenas de cachaço de porco cozinhadas num molho de influência nipónica mas levemente gordurosas. E enjoativo o chicharrón de gamba en tempura (8€), uma tempura de gambas numa massa grossa, que a própria empregada avisou que precisaria de lima – acontece que a lima vem grelhada e o sumo, nem vê-lo. Para acompanhar um molho tártaro levezinho com alcaparras, mas que não torna o prato menos forte.
Para rematar uma mousse de chocolate peruano (5€), a lembrar a famosa avelã3. Servida num copo, trazia várias texturas de chocolate, algum doce de leite e amendoins caramelizados. Uma delícia gulosa, equilibrada no açúcar, muito boa.
Por tudo, com um cocktail (bons cocktails, note-se) e um copo de vinho, pagou-se 30€ por cabeça. A experiência foi um pouco como os Andes, com altos e baixos, mas é um sítio agradável, com comida bem feita, original e assente em bom produto. Em suma, este inquilino de José Avillez enriquece Lisboa – e isso também conta.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.