José Avillez aceitou entrar num grande grupo económico que tem na Perfumes & Companhia o seu activo mais conhecido. É uma opção legítima. Mas o que a realidade tem provado é que o chef, hoje, não tem mão no que serve. E isso está à vista nesta Cantina Zé Avillez, aberta em Março.
Para a hagiografia de Avillez tem contribuído a comunicação social, que repete a ideia de que o chef controla tudo, em todos os palcos. Não controla. Imagino que tenha essa pretensão. Sei que é competente e que tem as melhores equipas. Mas não é o super-homem.
A questão está longe de ser ideológica: grandes grupos económicos, mesmo assentes noutra área de negócio – como é a Arié, representante de marcas como a Stefanel, a Hermés ou a Shiseido – podem ter bons restaurantes. Mais difícil é que o mais conceituado chef português (justamente) consiga estar à altura do nome que vende, ao preço que vende, em mais de duas dezenas de restaurantes ao mesmo tempo.
Na Cantina não consegue.
Avillez já não é capaz de evitar, por exemplo, que venha para
a mesa uma “dobradinha com enchidos”, como a que provei
no seu novo restaurante do Campo das Cebolas, onde não
se vislumbrava um pedacito de morcela ou de chouriço. Estava
lá o toque de chef, com sumo de lima a perfumar a tripa. Muito bem visto. Mas faltava o resto. Faltava comida, faltava produto, execução– sobretudo quando se pedem 13,5€ por um tachinho mínimo, porção que terá um custo com produto de menos de um euro.
Avillez, actualmente, também já não consegue garantir que sejam servidas umas pataniscas de bacalhau sem qualquer brilho e a saber a massa. Tudo bem com o arroz de feijão preto a acompanhar. Mas as pataniscas eram três discos finíssimos de pataniscas encruados e sensaborões, longe dos melhores espécimes do género. O prato paga-se a 15,40€, mais um bom negócio para a Arié e para José Avillez, o empresário – má propaganda para José Avillez, o embaixador da cozinha portuguesa.
A terminar, nos dias de hoje Avillez é capaz, até, de permitir que se rebente completamente com uma receita clássica. A versão de bacalhau com broa da Cantina (16,50€) que veio para a mesa era trágica – ao nível das piores que tenho comido (e se eu tenho comido maus bacalhaus com broa). O nome do prato designava expressamente “bacalhau lascado” mas debaixo de um manto de broa e alheira veio uma papa de cebola e bacalhau a lembrar comida de outras cantinas.
De resto, Avillez deixou de ter controlo sobre as equipas e o serviço. Dois exemplos. Um dos empregados não sabia nada dos pratos que serviu; e outro trouxe o molho picante para a dobrada quando já estávamos nas sobremesas.
O problema desta Cantina não está no espaço, que volta a ser bonito e muito luminoso (embora em modo low cost). E também não está no tipo de comida servido – o chef Michelin é muito bom a fazer coisas simples, como tem provado nos seus livros e em programas na TV.
Estavam, aliás, óptimos os pastéis de bacalhau e continua magnífica a Avelã ao cubo (importada do Cantinho do Avillez, o único prato excepcional, entre os que se provaram). Estavam bons o escabeche de pato e o tártaro de carapau picante. E não ofenderam os ovos verdes, nem as mãozinhas de vitela. No geral, dir-se-ia que a comida é razoável.
Mas isto não chega. É pouco para a publicidade, para a factura, para o mais internacional chef português da actualidade. No futebol como na cozinha, é preciso ganhar no campo, é preciso agradar na mesa. Não basta aparecer bem na imprensa.
Com outros desaires como este, Avillez arrisca-se a defraudar quem nele confiou. E a deixar o país órfão do seu cozinheiro mais importante.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.