O Besugo é um animal injustiçado. Raramente louvado pelas suas qualidades, é muitas vezes invocado pela fisionomia. No Sul, lá de onde eu venho, tem conotação fálica. No dicionário, descubro agora, surge com o sentido figurado de pessoa encorpada. Pior: é literalmente definido como “peixe vulgar”. Ora, eu tenho para mim que o besugo é um peixe notável. E nem me refiro aos massacotes, pequenos besugos, típicos da Arrábida, um dos melhores peixes que se podem grelhar neste mundo. Falo mesmo daquele besugo crescido, de lombo rijo, de que tanta gente se lembra por ter a forma tosca de um besugo.
Eis então o meu primeiro sinal de reconhecimento à Casa dos Passarinhos, restaurante centenário (há por ali casa de pasto desde 1923) de Campo de Ourique. Na primeira de várias visitas, perguntei o que havia de bom peixe para a grelha e mostraram-me um valente besugo. Chegou escalado, coisa que à partida se desaconselhava para o porte, mas ainda assim gordo e saboroso, impecavelmente grelhado, sem sinal de ter sido tocado pelo fogo. E aqui uma segunda ovação: grelha competentíssima, coisa tristemente rara em Lisboa.
A carta é farta, tem umas trinta entradas fixas, mais meia dúzia de pratos de cada dia, quase só grelha e tacho. Mas também pedra. A casa é, aliás, justamente afamada pelo naco na dita, que noutra visita testei na versão novilho (13,95€) – há outra, mais nobre, com
naco do lombo (18,95€) –, uma peça generosa e suculenta servida com umas irrepreensíveis batatas fritas e duas maioneses (sentiu-se a falta de um verdinho, mas a gula perdoa tudo). No tacho, aplauso para um óptimo arroz de feijão que acompanhou umas pataniscas regulares. Ficou por provar a açorda de gambas, outro cartão de visita da casa. Mas não escapou o choco frito, simpático, bom tempero, o polme certinho, que os Passarinhos gabam de ser tão bom como os melhores de Setúbal (nota: não é).
Em quatro visitas, apenas num almoço de quarta-feira encontrei o lugar menos que apinhado e não lamentei grande coisa. Boa cozinha, segura, rápida e sem grandes riscos; serviço tranquilo, com aquela eficiência altiva e malandra de cervejaria, mas sempre simpático e atencioso.
Naquele primeiro almoço de peixe, por exemplo, lamentei o desacerto no cloreto
de sódio. Os restaurantes tendem hoje a retrair-se no sal, coisa que tanto eu como a
OMS aplaudimos, mas peixe grelhado com fraca mão de sal é um crime. E a vítima nessa
história foi um cantaril, igualmente fresco, escalado e grelhado a preceito.
Nas restantes visitas, continuei a lamentar uma certa pobreza de acompanhamentos,
fossem legumes cozidos mortiços e aguados ou saladas desenxabidas. Mas lamentei sobretudo, o pão, em fatias revestidas de celofane. Um cenário tenebroso que me deixou a pensar que a segurança alimentar ainda vai matar o ambiente, e que estes pães industriais, farináceos e sem densidade, me hão-de matar a mim. É que não valem um besugo.