Os últimos anos foram os melhores de sempre para a cozinha italiana em Lisboa. Pumba. Está dito. O facto sustenta-se tanto com uma lista de restaurantes autênticos que foram aparecendo (Osteria, Il Matriciano, Bella Ciao, In Bocca Al Lupo...), como com um certo apuramento do palato dos lisboetas em relação ao que se intitula de vera cucina italiana – que é o mesmo que dizer: já ninguém os engana com natas na massa e ananás na pizza.
A grande questão é onde fica o Casanostra neste cenário? Ícone do Bairro Alto (zona que está longe da boa vibração de outros tempos), acabado de festejar 30 anos (e nem todos os restaurantes chegam inteiros a esta idade), sem a clientela que o ajudou a ganhar nome (artistas, políticos e jornalistas já se distribuem por outras portas), com uma ementa que não conheceu grandes alterações na última década (o que não é necessariamente mau) e com a tal concorrência cada vez mais especializada (ler parágrafo acima)... Será que sobrevive?
Ora bem, por enquanto sim. Pode já não deslumbrar como dantes, mas continua a cumprir o propósito de servir a tradição italiana em bom. Depois tem aquele visual bonito e acolhedor de uma cantina chique (sem o parecer), a fazer lembrar o antigo Pap’Açorda, muitíssimo bem iluminado, com empregados simpáticos e eficientes, que sabem aconselhar – e eu gosto disso. Já me parece que senta mais turistas que lisboetas, mas continuam a ver-se, de sangue português, famílias, casais e um ou outro tipo das artes & espectáculos (vocês sabem quem são), estes muitas vezes sentados na sala de fumadores – tão pobrezita e escura, uff.
Nos pratos, fui fiel ao rotolo di ricotta e spinaci e aos gnocchi de requeijão e espinafres durante anos. Raras vezes me aventurei fora desse duo, raras vezes não dividi o carpaccio de carne nas entradas e não acabei o vinho com um tiramisu à frente.
O último jantar que lá tive serviu para ser a excepção à regra. Prestei toda a atenção necessária ao couvert, com pasta de azeitonas, uma tacinha de ricota com menta e um patê de trufas. Tanta atenção que achei o patê demasiado amanteigado e me apercebi que todas as mesas tinham um copo de grissini, menos a minha – o facto foi rectificado, note-se. Boas as outras pastas, boas as torradas.
Atirei-me também a um dos pratos da moda, a burrata di Andria tartufata (10€). A chegar cortada ao meio, carregada de trufas laminadas (estávamos em época de), regada com um fio de azeite e em cima de rúcula – desmaiada, a acrescentar pouco ou nada ao prato. Veio também para a mesa aquele que é um dos pratos mal-amados de Itália, a minestrone (5€), a.k.a. sopa de legumes. O aspecto é o de uma lata de macedónia mergulhada num caldo translúcido; o sabor, e apesar de lhe faltar um niquinho de sal, é o oposto. Um caldo apurado, com cenouras, feijão verde, ervilhas, couve, batata e muito queijo. Fazem bem em chamar-lhe primi piatti, porque enche.
Como traição às pastas do costume, pedi a picante penne all’arrabbiata (10€), que não desilude. Al dente, apurada, num molho onde se sente bem o tomate, o bacon e os porcini. Provei também o ossobuco alla milanese (17€), com a carne no ponto, saborosíssima, algum molho da cozedura, mas acompanhada de um risotto assim-assim, mais para o seco do que para o caldoso. De sobremesa, uma tarte gelada com chocolate quente (6€), o chocolate forte e puro, muito bom.
Tudo embrulhado (ler: tudo mastigado), postas as coisas em perspectiva (isto é, respondendo à pergunta: o sítio recomenda-se?) o Casanostra pode precisar de um ou outro ajuste, mas continua a ter lugar nos bons italianos da cidade.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.