Sou a considerar que o pastel de nata é das criações mais perfeitas da história da humanidade. Tendo a achar, inclusive, que um pastel de nata é sempre muito bom, até quando é muito mau. Isto foi uma tese científica que desenvolvi até, segundo o critério de falseabilidade de Popper, ter encontrado a sua refutação numa cidade onde todos os pastéis de nata eram incomestíveis, em consequência de uso abusivo de casca de limão, situação que acabou por praticamente espoletar em mim uma neurastenia.
Facto é que, excepção essa, o pastel de nata é genericamente bem tratado pela produção semi-industrial, mais ou menos gourmetizada. Na Castro, mesmo ali à Rua Garrett, o ambiente procura mesclar um charme anos vinte do século passado com o voyeurismo castiço dos Pastéis de Belém, e uma elegante vidraça permite-nos observar o alvo lavor imaculado dos pasteleiros. Tudo muito a rigor, diga-se. Tudo, vá, menos aquele jazz softporn. E menos o anacronismo que me parece haver na concatenação dos factos: 1) toda a porcelana e vidro com filetagem e gravação do nome em dourado; e 2) o cliente ter de se levantar para pré-pagar e transportar o seu pedido para a mesa, por ausência de serviço de mesa para as três mesas do local. Insanáveis são as contradições da restauração urbana do século XXI.
Quanto ao pastel (1,10€), o que mais nos importa, era belíssimo. Dei-lhe aquela apertadela-mola enquanto o segurava entre o polegar e o indicador, porque o barulho e a resistência do creme face ao movimento são logo presságio de qualidade. Tudo muito certo, se quereis saber. O barulhinho folhado e nada de creme a explodir ou a resistir em demasia. A trinca anunciou-se logo satisfatória. A massa é divina – em camada finíssima, o que lamentei, porque fiquei com vontade de a trincar mais, de a ter a ocupar maior proporção no pastel. O creme, já na boca, confirmava a sua boa textura, nada gelatinoso, nada espesso, firmezinho no exacto ponto antes de liquidificar. Primor de ponto! Contudo, senti falta de alguma untuosidade láctea. Fiquei com a sensação de ter uma base algo aguada, ainda que muito bem aromatizada e adoçada (por mim, poderia ser um pouco menos). Mas isto sou eu a arranjar o que dizer, porque passou com distinção no teste da voragem: o primeiro pediu o segundo, o segundo pediu o terceiro, e por uma questão de responsabilidade social não vou confessar quantos comi.