Sem falsa contrição pascal vos digo que já não sei se o problema não é meu. Vejo-me acometida por uma falta de categorias para descrever estas realidades e acabo por laborar em questionamentos de hipóteses antipódicas: o que achar destes estabelecimentos de inspiração (inserir país do Centro/Norte europeu com mais ou menos tradição de pastelaria)? São pretensiosos ou o contrário? Querem muito ser alguma coisa ou são o que são? Isto pode parecer mera teorização fora do nosso objecto de análise mas, reparem, eu preciso de situar as minhas expectativas, que, sim, decorrem em larguíssima medida da proposta que me é feita por quem a faz. Costumamos chamar-lhe honestidade.
Tratando nós, nesta semana, da visita a uma “Boulangerie”, qual é, por exemplo, o grau de frescura que devo exigir ao folhado – pináculo da proposta? Sabemos que estas massas têm uma resistência volátil às horas. Se Lisboa fosse Paris, isto não seria um problema, porque lá qualquer pâtisserie de esquina faz múltiplas fornadas ao dia: o afrouxamento das folhas não chega a ser uma questão. Mas Lisboa ainda é Lisboa – seja lá o que isso for – e, portanto, perguntava, o que devo esperar de um folhado num meio de tarde sabatina? Aceitar sem questionamentos de maior aquele pálido chausson de maçã (1,80€), sem crocância ou notas apuradas de manteiga folhada? Também o caracol de passas (1,80€) se apresentou mole, já embebido num discreto creme abaunilhado (saboroso e na quantidade certa para acamar as passas suculentas). Mas da massa só fica mesmo o drama existencial por resolver.
A surpresa agradável ficou a cargo do cannelé (1,50€), um curioso bolinho em forma de pudim, tradicional de Bordéus, onde uma massa à base de ovos e leite, aromatizada com baunilha e rum, é sujeita a um cozimento violento (temperatura alta e contacto da massa com o metal da forma) que produz um resultado divinal: uma casquinha dura e caramelizada que abriga um interior cremoso e guloso. Achei tudo muito certo neste pequeno.
Ainda arrisquei o dente num moelleux de chocolate e caramelo (1,80€) (cá, conhecemo-los por petit gateau), que de suave pouco tinha. O sabor do chocolate era competente, mas a textura densa e quase seca, apesar dos pontos de caramelo, não chegava a convidar a mais. Se estes docinhos desistem de viver ainda na montra, por que lá chegam?