Era uma sexta-feira chuvosa, início de Janeiro, Lisboa já esvaziada dos turistas do réveillon. Não vinha à Trindade há uns 20 anos. Na primeira sala, os mesmos painéis maçónicos – o sol com o triângulo no olho e outras palhaçadas da seita. Mais à frente, um bar rectangular ao centro, balcão em lioz a toda a volta, tudo mais luminoso e colorido e bonito.
Permaneci ali estacado, à espera que alguém me guiasse para uma mesa. Mesmo com a sala longe de estar esgotada, nenhum empregado se aproximou. Reconheci um ou outro de outras casas, gente que sabe esquivar-se ao olhar para se esquivar ao serviço, homens com muitos anos de duplos turnos.
Avancei então para uma mesa vazia. No momento em que me ia a sentar, eis então alguém que acha que não. É sempre assim. A gente chega, ninguém nos vê. Depois, avança para uma mesa vazia e aparece logo alguém escandalizado por aquele ultraje. “Nessa mesa não pode ser. Quer ir para a esplanada?” Não, obrigado.
Espreitei ao longe a lindíssima sala do restaurante com os painéis em calçada de Maria Keil, ao fundo, mas aparentemente o espaço não estava disponível para almoço.
Fiquei então naquilo a que a Trindade decidiu dar o nome, num acesso de modernismo cliché, de Petiscaria, a tal sala do balcão ao centro.
A abrir, croquete e pastel de bacalhau. Ambos saborosos, ambos amolecidos e de textura reaquecida (mal reaquecida), coisa que não se admite quando pagamos 2,20€ à unidade. Vieram ainda 100 gramas de camarão da costa, no ponto certo de salga, bem acompanhados da imperial da casa. Lembrar que a Cervejaria Trindade já não é uma fábrica de cerveja, o que é uma pena.
O edifício foi convento, fábrica de cerveja, marisqueira e sítio para bifes e croquetes. Era assim uma espécie de Portugália mais artista e selecta, nos idos de 1990, quando a conheci. Doutros tempos, ficaram as arcadas e algumas peças de arte do século XIX, mas de resto, com a entrada no novo milénio a cozinha tornou-se mais fake, a carne tornou-se mais sensaborona, o molho mais processado, o marisco menos fresco.
Nisto, no ano passado surgiu a notícia de que o chef Alexandre Silva tinha “imaginado” uma nova carta. Pelo noticiário, fez mais do que isso: deu novo receituário e mexeu no molho do bife, que agora terá um toque de molho de carne do verdadeiro. Terá sido suficiente?
Da prova do bife da vazia, resultou uma carne batida e cozida, problema antigo, banhada numa solução melhorada, natosa e escura. Justificou os 17,90€ pedidos (se lhe acrescentarmos um ovo estrelado, desses branquinhos feitos na chapa, 19,40€)? Não justificou.
Há coisas mais diferenciadas na carta, algumas com preços de fine dining. Bochechas de porco estufadas a 18,50€, lombo de bacalhau assado a 27,50€, paleta de borrego para dois a 59€, polvo assado para dois a 64€, cataplana de peixe e marisco para dois a 59€.
Dos pratos mais modestos, destaque para bacalhau assado com tiborna, sem invenções fora do tradicional português e ainda bem.
Em síntese. Quase tudo pré-feito e nem sempre bem reaquecido, servido em novos tachinhos fofos, com a frieza de sempre. Se eu invisto lá mais do que 30€ para comer? Não invisto. Se conto lá voltar brevemente? Não conto. Se vale a pena lá ir, nem que seja uma vez, ver a nova face? Vale, sim.