1. Cícero
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  2. Cícero
    DR | Variação de limão com formas geométricas Cícero Dias
  3. Alessandra Montagne
    © Fábio Pelinson | Alessandra Montagne
  4. Cícero
    DR | Polvo e chouriço
  5. Cícero
    DR | Mousse de cogumelos e sarraceno
  6. Cícero
    DR | Poitrine de porco confitada, jus de porco, com puré de aipo fumado e beterraba
  7. Cícero
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  8. Cícero
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Crítica

Cícero Bistrot

3/5 estrelas
Há uma pequena cave em Campo de Ourique onde jantaram António Costa, Durão Barroso, Carlos Moedas e Lula da Silva. Alfredo Lacerda foi lá tentar saber a razão.
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Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Já sabia que Lula da Silva tinha aqui almoçado, em 2022, quando visitou Lisboa pela última vez. Mas desconhecia que o restaurante tinha sido também frequentado por políticos nacionais. Numa das paredes da pequena sala na cave do bistrô de Campo de Ourique, estavam fotos de Durão Barroso, Carlos Moedas e António Costa – sempre acompanhados do anfitrião, um ex-banqueiro brasileiro.

O que atraiu tantos políticos? Era o que iria tentar perceber nas duas horas seguintes. 

O sítio anuncia-se como restaurante-galeria, dando atenção especial ao artista modernista que pôs o nome à casa, Cícero Dias, brasileiro refugiado em Lisboa, fugido da Alemanha, durante o nazismo. 

No dia em que lá jantei, a sala onde me instalei estava vazia, o que me deu foco para apreciar os quadros e saborear o menu de degustação.  

Ao todo, foram sete momentos, contando com os amuse-bouches do arranque. Apesar da origem dos proprietários e da cozinha ser brasileira, o menu está cheio de França, país onde oficia a chef que criou a carta, Alessandra Montagne. Na carta, lemos “velouté”, “beurre blanc”, “poitrine”, “praliné”, “mignon”, “champagne”. 

O aroma mais brasileiro surge no arranque, com miniaturas de pão de queijo e caviar, coxinha e, fora do tema, um pastel de nata de couve-flor. Magnífico o pastel de couve-flor, menos impressionantes a coxinha e, sobretudo, o pão de queijo e caviar. Já vi caviar em cima de tudo – e, na verdade, haverá poucas coisas em que ele assente mal. Mas, se é para ser luxo, convém que o caviar tenha frescura e possamos sentir claramente as ovas, bem definidas. Não foi o caso.

Estava dado o mote para o resto da refeição: coisas boas alternando com coisas menos boas – o que causa algum desencanto, se pensarmos que estamos a falar de um preço médio por refeição que dificilmente custa menos de 100 euros e facilmente fica acima disso.

A pré-entrada foi outro exemplo de relativo falhanço. A combinação fez sentido: dióspiro, ricota fumada e botarga (ovas secas e salgadas de tainha): doce e salgado, a frescura da fruta e o conforto do queijo. Mas o dióspiro revelou-se já sem sumo, mortiço, talvez porque estejamos no fim da época do fruto, e em quantidade excessiva na relação com a ricota. 

A seguir, o céu. A velouté de cogumelos era França no seu melhor. Uma mousse fofa como uma nuvem, a saber a bosque e a palácio, por cima um caramelo leve dos fungos – um prato cheio de elegância e sumptuosidade, que calhou bem com o momento do pão: brioche e manteiga, esta servida à parte, com “origem nos Açores, mas fumada”, segundo informou o serviço de sala. 

Avançámos para o risoto de cevada, bisque e carabineiro, e baixou-se outra vez o nível. O risoto estava insípido, com a bisque pouco intensa, sendo que a cevada pedia a pujança do molho de mariscos. Mesmo o carabineiro, que parecia ter sido cozinhado em sous vide, apesar de saboroso, vinha com a “tripa”, algo que um inspector de guia de pneus desclassificaria sem piedade. 

A terminar os salgados, a poitrine de porco era um cubo de barriga de porco, acompanhada de puré de aipo de bola e uma mini beterraba assada. A carne foi mal finalizada, tudo mole, a gordura entremeada em estado de gelatina enjoativa e a pele sem estar estaladiça: ou seja, um prato que não devia ter sido servido. 

Nas sobremesas, figos em três modalidades (compota, mousse, gelado). Faltou a textura de figo fresco, ao natural, agora fora de época. Tudo bem feito, mas o conjunto pouco fresco para pré-sobremesa. Por fim, eis uma criação deliciosa: praliné de avelã com chocolate e fava tonka, absolutamente perfeito, untuoso, emocionante e cheio de finesse. 

O serviço revelou uma formalidade simpática. Correcta a descrição dos pratos, insegurança nos vinhos, deixando evidente a falta de um sommelier. 

À saída, estava relativamente satisfeito, o que não é suficiente quando se pagam mais de 100 euros. 

A questão permanecia: o que fazia tanta gente importante descer à cave do Cícero, quando há outras alternativas mais interessantes e divertidas na cidade? E onde estavam os clientes normais? 

Fui investigar mais e descobri que estamos perante um restaurante de anfitrião, desses que se fazem anunciar na sala. O proprietário da casa é Paulo Dallo Nora, economista e ex-banqueiro brasileiro, fundador do extinto Banco Gerador. 

Segundo notícias da imprensa brasileira, Dallo Nora mudou-se para Portugal depois de enfrentar processos judiciais relativos a burla e fraude no Brasil. Na imprensa portuguesa, em especial no Diário Notícias Brasil, por sua vez, tem surgido como um filantropo, apostando na promoção da cidadania, das artes e da aproximação entre Portugal e o Brasil. 

Hoje em dia, o empresário anuncia-se no Linkedin como especialista em “relações governamentais”, “advocacia” e “estratégia”, mas apresenta o seu “restaurante-galeria” Cícero como a sua ocupação principal.

Detalhes

Endereço
Rua Saraiva de Carvalho, 171
Lisboa
1350-303
Preço
100-150€; Menu degustação: 95€
Horário
Dom-Ter 18.30-22.30, Qua-Qui 18.30-22.30, Sex-Sáb 18.30-23.30
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