Há poucos restaurantes tão portugueses como o English Bar, nome por que é conhecido o Cimas Restaurante. Faz parte da história da restauração em Portugal, um dos poucos grandes clássicos que sobrevive e um dos que melhor representa a geração de galegos que ajudou a transformar o panorama dos restaurantes em Portugal. Mas, para além da história da nossa gastronomia, o English Bar é História de Portugal. Por ele passaram espiões e escritores, reis e políticos, antes e depois do 25 de Abril. Talvez nada represente melhor a continuidade de elites dentro da revolução portuguesa do que o facto de o primeiro-ministro deposto (Marcelo Caetano) e o que lhe sucedeu (Adelino da Palma Carlos) nele terem almoçado no dia anterior e posterior à revolução, respetivamente. O regime mudou, mas o restaurante não. Não indiferente, mas resistente às mudanças, o English Bar parece estar a viver uma espécie de ressurgimento. Não sei bem porquê, de vários lados me chegaram elogios e incentivos a revisitar este clássico. No meu caso, não houve Angústia para o Jantar (nome do notável romance do meu homónimo Sttau Monteiro ambientado no English Bar). Pelo contrário, senti que às recomendações recentes juntava a recomendação maior de todas, a de Luís de Sttau Monteiro, crítico e gastrónomo de eleição.
Jantar no Cimas (ou English Bar) é assim uma viagem na história. O espaço comunica-nos logo isso. Está o que era (desde uma remodelação nos anos 60). Não como sinal de decadência, mas sim como manifestação de autoconfiança. Como alguém que sabe que a idade se transporta, não se esconde. Que a melhor forma de lidar com o tempo é abraçá-lo. O ressurgimento do English Bar não é produto de uma renovação, mas sim de um redescobrimento.
O serviço é, simplesmente, impecável. Sabem o que fazem porque o fazem há muito tempo. É óbvio (e confirma-se com a conversa) que os empregados “são de casa” e fazem-nos sentir em casa. Os pratos permanecem praticamente os mesmos: os salpicões e cocktails de marisco, os espargos, os gratinados, os consomés e sopas, o peixe cozido (praticamente desaparecido), a caça, a carne nos cortes mais tradicionais, os acompanhamentos (outra tradição em desuso).
Começámos com um salpicão de bruxas, juntando ovo, alcaparras, tomate e vinagre a esse fantástico marisco que me parece continuar a não ser ainda suficientemente valorizado pelos nossos chefs (tantos pratos novos de marisco que provo e bruxas, destas..., nem vê-las). A estranha combinação funciona, talvez por artes de bruxaria, apesar de eu ser mais apreciador de preparações que se “limitem” a exaltar o sabor próprio do marisco. Fantásticas as favas e chouriço que se seguiram, aquelas (como devem ser) descascadas e no ponto (macias e crocantes ao mesmo tempo), envoltas na gordura do chouriço (também este de muito boa qualidade). Continuámos com um prato exemplar da alta cozinha tradicional: garoupa em molho de limão e manteiga. Nenhuma surpresa e neste prato isso é bom. Na sua aparente simplicidade, não é fácil atingir o equilíbrio vencedor entre gordura, acidez e doçura (conferida também pela cebola picada).
Curiosamente, foi um dos pratos mais icónicos da casa, a perdiz ao vinho da Madeira, que menos correspondeu às expectativas. Talvez fossem excessivas, alimentadas pelo conhecimento de que tantos personagens da história se tinham deliciado com este prato. Achei o prato algo desequilibrado e excessivamente doce. Rapidamente, no entanto, a sobremesa reconciliou-me com a história. Nada encaixa mais num lugar destes do que os crepes Suzette. Essa sobremesa que em mil outros lugares seria hoje um instante kitsch, é aqui uma visita a um passado aristocrático. Ao ver aquele espetáculo de fogo não senti tristeza pelo fim de um certo tipo de restauração, mas sim alegria por ainda haver lugar para ela. Por instantes senti que estava à mesa com a Princesa Suzette, o Rei de Espanha, Mário Soares, Sá Carneiro e tantos outros.
Voltarei a repetir a pergunta do personagem Gonçalo de Luís de Sttau Monteiro: “E se fôssemos almoçar ao English Bar?”