Na continuação da nossa cruzada pelos árabes (já lá vão os tempos em que “cruzávamos” contra eles), esta semana, sentei-me ao sol ali na Doca do Espanhol, mesmo nas costas do Museu do Oriente. Curiosamente, tal como na semana passada, acabei por ir a um sítio que não é bem um restaurante: desta vez, calhou-me aquilo a que se convencionou chamar de “dark kitchen”.
O Citrón fica no Weat, um hub gastronómico, a que aqui aludi a propósito da crítica ao The Chippy, entretanto já falecido. A ideia da Weat é arrendar cozinhas que funcionem como incubadoras de novos projectos ou base para as operações de takeaway e entrega ao domicílio – sendo certo que é esta última vertente que domina o negócio.
Há mesas no interior da Weat, mas é melhor não dar isso por garantido. No dia em que lá fui, estava a decorrer um evento, à porta fechada, e acabei por ter de ir para as mesas comunais, no exterior, junto ao edifício (sem toldos).
A comunicação fez-se pela porta de lado, por onde normalmente carregam os Uber Eats e os Glovo. Mas Karim Yafaoui, o dono do Citrón – libanês de nascença, e suíço por adopção –, fez questão de se sentar comigo, para debater a ementa. Foi um debate interessante.
Não vai querer hummus? - perguntou-me, num inglês perfeito, já no fim do pedido.
Tenho a minha dose de hummus, este mês. Só se for diferente dos outros todos que existem na cidade.
Nesta altura, Karim olhou-me de frente e abriu muito os olhos.
Vai ser o melhor hummus que já comeu – atirou, sem qualquer sinal de emoção, como numa dessas deixas de filme de espionagem em que uma personagem intrigante enfrenta, friamente, o seu opositor, numa demonstração cinematográfica de soft skills (Karim trabalhou na banca suíça).
Karim acabou por escolher tudo, naturalmente. E o enredo prosseguiu ao som da esteira da Ponte 25 de Abril, aqui já só um restolho longínquo, com o Tejo em fundo.
Nisto, o meu amigo chegou. O meu amigo quando chega, chega mesmo. É uma espécie de Kramer, o célebre personagem de Seinfeld. E, tal como o actor, tem um apelo particular por cerveja. Ao tomar conhecimento de que eu tinha acabado de escolher uma limonada para acompanhar a refeição, o Kramer da Estefânia ficou triste. “Limonada!”, exclamou. “Limonada!”, repetiu.
Karim intercedeu por mim. “A limonada é feita por nós, com flor de laranjeira.” Kramer ficou com o sobrolho ainda mais desnivelado, mas levou logo com a estocada final de Karim: “Trago-lhe uma limonada. E uma cerveja. Por nossa conta.”
Era bem boa a limonada, caseira mas engarrafada, com uma doçura equilibrada, nada que ver com refrigerantes comerciais. E foi, de resto, tudo bom.
Ordem de preferências.
Primeiro, o kibbeh, ou quibe (como lhe chamam no Brasil). Granadinhas de carne moída com bulgur (trigo duro integral), magnificamente fritas, húmidas por dentro, crocantes por fora. Imagine-se se tivesse pinhões.
O hummus. Mesmo não sendo o mais especial que comi (em Lisboa, ocorrem-me os do Honest Greens e o do Manuel Senhor), tinha a densidade de mousse amarga conferida pelo tahini (pasta de sésamo) e estava bem ensopado de azeite, como deve ser.
Os sarma. Charutos de folha de videira, com uma acidez deliciosa e a folha perfeita, nada fibrosa.
Batatas picantes. Pequenos cubos de batatas fritas, com coentros, pasta de malagueta e azeite.
O wrap de falafel. Com pickles de nabo caseiros e tahini. O wrap de frango. Com maionese caseira de alho, sem ovos.
E, por fim, o pão. “A única coisa que não fazemos nós”, justificou Karim.
Uma pena, digo eu. Tal como é uma pena faltarem vinhos e azeites libaneses. Ou a comida ser servida em caixinhas de cartão para takeaway, com talheres de madeira, não reutilizáveis mas recicláveis.
Em síntese. Este Citrón é já uma boa opção para quem tem a sorte de estar no seu raio de delivery. Ou então para almoçar in loco, em dias amenos, como o nosso (eu e o Kramer da Estefânia tivemos a sorte de usufruir de um calor morno de Inverno, o sol filtrado por nuvens altas, perfeito). Dito isto, Karim ambicionará mais – e parece ter ferramentas para isso. Espero reencontrá-lo num restaurante a sério, em breve, com talheres e louça e garrafeira e pão caseiro. Kramer virá comigo.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.