A Avenida da Igreja e as ruas que a ligam ao Mercado de Alvalade estão cheias de restaurantes e tasquinhas. A zona parece estar a transformar-se num quarteirão gastronómico, com mais oferta do que as cervejarias do costume, ainda que as cervejarias do costume proliferem.
Num bairro residencial sem opulência nem charme vintage para atrair franceses e brasileiros ricos, mandam ainda os que cá moram, mas também os que vivem nas periferias a Oriente e a Norte, entre Odivelas e Loures, e preferem estacionar aqui do que se meterem no turbilhão do centro da cidade.
Isto explica porque continua a haver um perfil próprio da restauração da zona. É verdade que Alvalade já não é só o bairro do bife do Tico-Tico (eu prefiro o do Sem Palavras ou o bitoque do Adega Solar Minhoto) e do cozido dos Courenses, mas ainda é um sítio onde as pessoas dificilmente aceitam pagar 18 euros por dois cubinhos de atum braseado com um quarto de batata doce e duas bolinhas de maionese de beterraba.
Em Alvalade, ainda mandam os portugueses e, por isso, é difícil à rapaziada empreendedora que domina o mercado dos estrangeiros, entre Alcântara e a Mouraria, vir para aqui brincar à Europa rica.
Serve o intróito para apresentar o Cobaia. O Cobaia é esse restaurante que podia estar no Cais do Sodré ou noutra capital europeia. É muito bonito, tem um pé alto magnífico, plantas (verdadeiras) por todo o lado, DJ ao fim de semana, música boa nas colunas todos os dias e uma carta com fusões do mundo, do tártaro aos ceviche, do gnocchi aos risoto.
O Cobaia, aberto já este ano, é o restaurante em Alvalade onde se vai de banho tomado, com o melhor vestido ou a melhor camisa, de preferência aberta, a mostrar fio de cabedal ou corrente de ouro, antes de ir para a noite. Faz falta o Cobaia em Alvalade, porque nem sempre apetece molhangas e batatas fritas, pernil e vinha d’alhos e pessoas de calção e Paez que saltaram do sofá sem domarem o penacho do cocuruto.
A comida está no nível médio mais, mas se houver tino será afinada. Por enquanto temos coisas boas, como a ostra com granizado de romã e sambal ou o pastel de massa tenra (que parecia de massa de pastel de feira). Temos outras médias, como o ceviche de robalo, com tomate e leite de tigre (insonso e mortiço), os croquetes e o cachaço em pão pita. E temos outras falhadas, como uns ovos rotos adocicados, feitos com batatas fraquinhas de pacote e, mais grave, com ovo BT (baixa temperatura), essa praga que anda há anos a espalhar langonha pelos restaurantes pseudo-sofisticados de Lisboa.
Há conhecimento e condições na cozinha para mais, para afinar o que é essencial e deixar de fora experimentalismos instantâneos. Há produto, não de topo, mas acima da média. E há um espaço amplo e luminoso como poucos. Os preços são mais de Alvalade do que de Príncipe Real, mas estão a pisar o risco.
As 4 estrelas lá em cima, em parte, são um voto de fé (as JMJ desceram sobre mim). Mas uma coisa é certa. O Cobaia não terá grande margem para falhar na comida. Alvalade está mais moderna e internacional, é certo, mas nesta Lisboa cada vez menos bairrista, continua a ser Alvalade. E continua implacável com o que lhe põem na mesa.