Quando li a reportagem sobre a abertura deste Cochinchina achei que tinha tudo para dar certo. Falava-se em comida vietnamita sem atalhos, caldos com oito horas ao lume, uma cozinheira vietnamita apaixonada. O sítio, para mais, tinha a dimensão e a decoração certas para nos transportar da Rua da Escola Politécnica, ao Príncipe Real, para um café de Ho Chi Minh, no sul do Vietname – e havia ainda a ligação com Portugal: Cochinchina foi o nome dado pelos navegadores portugueses quando lá atracaram, no século XVI.
De resto, nacionalismos à parte, a cozinha vietnamita é muito interessante. Como em quase todos os países da região, a grande influência veio da China. Mas os vizinhos do Laos, Camboja ou Tailândia, e outros europeus ocupantes, com destaque para os franceses, haveriam de deixar também a sua herança e contribuir para uma gastronomia original.
Derradeiro trunfo. Lisboa ainda não tem um verdadeiro restaurante vietnamita, com verdadeira comida vietnamita. Foi com isto na cabeça que me sentei à mesa, juntamente com um amigo em dieta de hidratos mas disposto a abrir excepções. E como não? Quando falamos de Vietname temos de comer noodles vietnamitas, temos de comer o pho bo.
Era esta, pelo menos, a minha ideia, mas o empregado pensava diferente. “Se fosse eu, ia para a massa salteada com bifinhos de vaca”. Massa com bifinhos, porquê? “Porque eu gosto”, prosseguiu. O que é que leva? “Isso é com a cozinheira”. Clássico. Mau.
Venha o pho.
É preciso dizer que o pho não é folclore culinário. O pho
é o grande prato popular do Vietname. O pho é o bacalhau de Hanói. E por isso não faz sentido que um restaurante que se diz de cozinha vietnamita procure escondê-lo. A não ser que o prato seja fraco. Era.
Caldo sem pós instantâneos mas com falta de colagénio e tudo. Depois, a massa, um tagliatelle de arroz de pacote (não chateia nem encanta); a carne em troços grossos (errado), as ervas aromáticas, uma folhita de manjericão moribunda (errado, manjericão tailandês, muito, ou combinação de mentas e manjericão seria a alternativa); a cebola demasiado grossa (errado); a malagueta um aro só e triste, os rebentos de soja amolecidos, um gomo de lima, tudo já imerso no caldo (em vez de vir à parte), já sem textura e sem a explosão aromática e cítrica que torna este prato especial.
Podia ter sido um azar, mas não. Fomos depois à massa com bifinhos, noutra refeição, e era um montinho esfriado e desenxabido de comida; caril “muito picante” de frango: um docinho liquefeito ainda que abundante em erva-príncipe e folhas kafir; o goi kuon: rolo com alface em fiapos (queimada, gasta), frango e camarão, o recheio desligado; mochi de pasta de amendoim: dois exemplares de supermercado. Para não se sair com fome, gastam-se 20 euros. No mínimo. Não basta ser exótico.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.