Não é fácil definir corrupio. A palavra, não o restaurante. O dicionário diz que pode ser um jogo de crianças, andar à volta ou um movimento muito intenso. No Corrupio não senti a cabeça a andar à volta, mas os sabores são muito intensos. Um verdadeiro corrupio de sabores.
Fui sem expectativas. Um novo restaurante, sem pompa nem circunstância, num espaço simpático, mas simples, onde o balcão é o centro e as mesas são poucas, pequenas e próximas, no limite do conforto. Comecei a comer ainda com poucas expectativas e saí com a expectativa de voltar em breve.
Góngora (sim, o poeta) escreveu que o destino não nos traz nada de acordo com os livros: tanto nos oferece apitos quando esperamos flautas, como flautas quando esperamos apitos. Foram flautas no Corrupio. Na verdade, a intensidade de sabores é tal que em vez de flautas é mais apropriado falar de uma secção de metais, uma big band de jazz em forma de comida.
Começou por vir para a mesa um óptimo pão azedo (sourdough). É sempre um bom indício fazer bem o básico. Iniciámos depois com uns pastéis de massa tenra, mas estes, de forma original, com recheio de bacalhau. Massa perfeita, intacta e crocante até à primeira dentada, quando se desfez na nossa boca, como deve ser com uma boa massa tenra. O recheio pleno de sabor. Não começou tímido o Corrupio, um murro de sabor logo à primeira dentada. Igualmente de chorar e correr por mais (trocadilho intencional…) o camarão ao alhinho, talvez o melhor que alguma vez comi. O molho não é aquela “sopa” de azeite, alho e malaguetas em que tantas vezes nos servem os camarões. É um verdadeiro molho, sedoso (penso que emulsionado com manteiga) e de sabor perfeitamente equilibrado. O alho aromatiza, mas não domina (mas não temam os fanáticos do alho: se quiserem reforçar o sabor a alho têm lâminas no molho). O picante exaltava o sabor sem o eliminar, como deve ser, mas tantas vezes não acontece. Não confundam concursos de picante (uma curiosidade) com comer bem. Muito picante é apenas uma óptima forma de esconder má comida (a outra é cobrir de queijo e gratinar…). No final, um toque de acidez e a frescura dos coentros fundiam tudo isto na perfeição. A acompanhar, umas torradas com manteiga. Uma tentação irresistível para embeber naquele molho. Um único reparo. Melhor, uma preferência: preferia os camarões um pouco menos cozidos. Mas isso tem mais a ver com o meu gosto que, reconheço, está longe de ser dominante em Portugal. O consumo de marisco cru nos sushis e tártaros (nos ceviches, na verdade, cozinha-se através da acidez) tem crescido, mas sem grande impacto no consumo de marisco cozinhado, quase sempre cozido um pouco demais para o meu gosto.
Curiosamente, não foi o caso com os camarões do prato seguinte. Ligeiramente cozidos, cobertos com o sal certo e acompanhados de uma maionese de limão. Simples, mas é tudo o que importa quando o produto é bom e bem tratado.
O “Chicken Piri-Piri à Nossa Moda” devia passar a ser a moda de todos nós. Uma reinterpretação de um clássico plenamente conseguida e cheia de sabor. O picante do frango atingiu de novo o equilíbrio perfeito, e a salada algarvia (tomate, cebola e pepino) que acompanhava oferecia a frescura que o piripíri exige. Já as batatas, não sendo más, ficaram aquém das expectativas que tudo o resto foi alimentando. Antes do doce ainda se comeu um extraordinário arroz de cabrito, enchidos, acelgas grelhadas e laranja. Mais uma vez, um impacto brutal de sabor. O arroz no ponto perfeito, com cada grão a saber a cabrito e enchidos, tudo equilibrado pela acidez da laranja e o ligeiro amargo das acelgas. Um prato que, tal como os camarões ao alhinho, tem tudo para figurar no meu top 10 deste ano.
Só isso diz tudo sobre o quão bem comi no Corrupio. Só se provou uma sobremesa, a mousse de chocolate com banana que, não sendo má, ficou uns furos abaixo do nível altíssimo dos outros pratos.
Carta e serviço de vinhos a melhorar. A carta é pequena e com poucas coisas interessantes. O serviço de vinhos pareceu dirigido aos turistas que abundam na zona. Um vinho com castas portuguesas foi apresentado como “uma espécie Chardonay”... Not really. Temos de aprender a vender o que é português pelo que é, sem pedir emprestada a identidade dos outros. O pior que podemos fazer são associações que criam equívocos. As identidades emprestadas são identidades falhadas. Falemos dos nossos vinhos, contemos as suas histórias e exaltemos a sua identidade. Não precisamos de ser como os outros quando, tantas vezes, o melhor de nós mesmos é não sermos como os outros.
Há um novo estilo de restaurantes na cidade. Não querem parecer, mas ser. Relaxados, descomplicados e descomplexados no espaço, serviço e abordagem, mas focados e concentrados no sabor. O Corrupio é um deles e eu vou andar num Corrupio para lá voltar.