Era uma terça-feira à noite e nada me preparara para aquilo. Cheguei pelas 19.45 e mal passei a porta veio um empregado afogueado. “Tem reserva?” Não tinha. Ninguém tem reserva para um restaurante indiano a uma terça-feira à noite, pensei. “Estamos cheios, desculpe”.
Sucedera o seguinte. Na semana anterior, várias publicações com noticiário gastronómico (incluindo esta) haviam anunciado com estrondo o aparecimento de uma coisa nova, algo nunca visto nas mesas lisboetas: um indiano que não era só caris e basmatis. O embaixador ia lá, a comunidade vegans-freaks ia lá, os artistas iam lá, tudo a correr a Arroios como se fosse uma festa trance em Kerala.
Não desisti e dias depois voltei com marcação. O delírio começou com a carta. Havia dosas, as famosas panquecas de arroz e lentilhas; e havia parottas, pão achatado com manteiga ghee. Nos caris, destacava-se o de peixe, um dos pratos típicos do sudoeste da Índia, região costeira que dá nome ao sítio. De resto, não faltavam exemplos da dieta ayurvédica praticada pelos autóctones: óptimos pastéis de vegetais, sopa rasam de coentros, bolos de feijão preto e especiarias.
Provou-se tudo isto e mais. Os “masala peanuts” (Ó sr. embaixador, será que não dá para emprestar um tradutor?), os masala peanuts, dizia, provocaram os primeiros aplausos – amendoins fritos e depois temperados com cebola e coentros.
O resto da refeição percorreu toda a carta, com mais altos (chamuças, caril de borrego, sopa de lentilhas…) do que baixos (tapioca cozida, arroz de coco, caril de espinafres e batata).
Até que aconteceu o drama. O caril de Aleppy, uma espécie de bacalhau cozido dos malabarenses, foi aguardado com a ansiedade de um governante antes de abrir o livro do arquitecto Saraiva. O aspecto não desiludiu: uma tijela cheia de molho, pasta de leite de coco, curcuma e malagueta, lá dentro o peixe imerso. À primeira garfada, o espanto. “Que peixe é este?!” À segunda garfada, o horror. “É salmão!”, gritou a mesa em uníssono, fazendo levantar as cabeças da clientela indiana.
Numa segunda visita, repetiram-se alguns tiros ao lado, um sentimento de desilusão terrível, até porque Lisboa tem muito poucos restaurantes indianos bons (excepção aos goeses) e são quase todos redundantes. O Costa do Malabar é outra coisa. Mas não é uma coisa sempre boa. No melhor caril cai um peixe da Noruega.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.