Logo na primeira visita comi um dos mais extraordinários pratos que um humano pode experimentar: frango Sichuan (14,90€). É um clássico absoluto da cozinha chinesa, difícil de encontrar por aí, e usa uma combinação de pimentas Sichuan e malaguetas que produz na boca uma explosão única de emoções e uns lábios parecidos com os da Angelina Jolie. Os autóctones designam o fenómeno de ma la, mas boa parte dos portugueses prefere “pica que se farta” – e com alguma propriedade. Não é coisa para principiantes, da mesma forma que o tantra não está acessível aos imberbes e o Everest não se sobe num dia.
Fosse só pelo frango – com entrada directa para o top das melhores coisas que comi este ano – e já teria valido a pena. Mas há mais neste Dinastia Tang, muito mais. A começar no espaço. O restaurante fica no Poço do Bispo, Marvila, e ocupa um antigo armazém de vinho. No piso térreo encontra um exuberante salão de casamentos , tudo branco como num sonho angelical, palco, dossel, “LOVE” a letras gigantes. No primeiro andar, o restaurante propriamente dito – outro estilo, outro ambiente, o mesmo espanto: estatuetas da dinastia Ming, budas, cabeceiras de cama a fazer de biombos, recantos escuros, mobiliário de madeira a sério (por plastificar). Nada foi deixado ao acaso ou ao cuidado de revendedores do Martim Moniz, e isto com metros quadrados suficientes para uma performance dos Jovens Heróis de Shaolin.
A carta, em particular, é a derradeira prova de que estamos perante um étnico refinado: zero fotos de pratos, zero erros ortográficos, zero manchas de molho de soja, zero chop suey de vaca.
Na lista, só muitas e boas receitas tradicionais chinesas. Exemplo: o tofu com ovos de pata de mil anos (7,20€). Devido ao método de conservação dos ovos, envolvidos em argila e cinzas, a clara fica com uma coloração acastanhada e a gema vai do verde claro ao verde escuro. O cheiro pode ser dissuasor, mas o sabor e a consistência são únicos. O mesmo relativamente ao tofu, aqui na sua versão por prensar, imbatível, muito mais suave do que o habitual, textura de pudim, quase uma panacota delicada e escorregadia, teste categórico na arte de manejar os pauzinhos.
Outras iguarias raras são a sopa de codornizes e bagas goji (5,50€): canja ligeiramente adocicada e perfumada com pedaços de tâmaras; e a raiz de lótus com mel (9,80€), rodelas cozinhadas mas ainda rijinhas do rizoma da flor de lótus.
Nas opções mais conservadoras, há desde cogumelos chineses com legumes (7,50€), a um maravilhoso entrecosto à Hong Kong (9,95€) e beringela com carne picada na púcara (8,90€). Quem preferir o registo dim sum, pequenas doses para petiscar e dividir, também vai bem servido, embora os preços, neste capítulo em particular, me pareçam excessivos: patas de galinha (8,95€); feijões de soja cozidos (6,80€); ou as magníficas línguas de pato (9,80€). Quanto aos raviolis, a variedade é mais limitada do que nalguma concorrência, mas tem garantia de fabrico próprio: na cozinha há gente de Cantão com mão para a massa de arroz e de trigo, bem como para os recheios, do porco com cebolinho às gambas (3,50€ - 4,50€).
Chegados aqui, é evidente que se procura captar os chineses milionários que têm aterrado na Portela – um destes dias, o parque de estacionamento parecia a grelha de partida de uma prova de Gran Turismo, só Porsches e Audis e Mercedes. O que não implica que o comum dos lisboetas saia de lá desiludido ou pobre. Bem pelo contrário. A maior falha mesmo é o serviço, assegurado por empregados portugueses, por vezes inconvenientes e estarolas. De resto, ribombem os tambores: há mais um restaurante chinês em Lisboa. Dos melhores.