Quando vou comer a um restaurante de cozinha estrangeira, tento levar alguém desse país. Foi isso que aconteceu. A Gabi, de Salvador da Baía, conhece profundamente a gastronomia brasileira e sabe reconhecer uma boa moqueca de camarão.
“Está muito saborosa. É uma moqueca diferente, tem louro. Mas sabe a comida de casa”, atirou, enquanto fazia bis na molhanga densa, cheia de pimento e cebola.
O Boteco Dona Luzia fica num sítio onde ninguém esperaria um boteco. Eis-nos no Saldanha, território de portugas, executivos e financeiros, gente que prefere gastar o almoço em crossfit do que em coxinhas de frango com catupiry.
Para darmos com o sítio, é preciso estar-se atento. Entra-se pela 5 de Outubro e fica nas traseiras de umas traseiras, apertado entre quintais de prédios espelhados, um beco onde ninguém iria senão para fumar maconha ou para arrefecer o fogo interior entre duas calls.
Também isso é parte do encanto do boteco. Diz a Gabi – e bem – que damos demasiada importância ao que está no prato e de menos ao que está à volta. À volta, aqui, está um avançado envidraçado, com posters de merchandising cervejeiro e ecrãs onde passam vídeos com pratos do menu.
Não é a coisa mais glamorosa do mundo. “Mas um boteco normalmente não o é”, assinalou a Gabi.
Nas colunas, ouvia-se um cantautor de violão, instalado junto ao balcão a interpretar “Pais e Filhos”, o popular tema dos Legião Urbana. Era uma interpretação bem livre, tão livre que Renato Russo, o carismático frontman da banda brasileira, poderia não a reconhecer.
Mas a música faz parte do boteco. Aqui, toca-se ao vivo todos os dias aos jantar, menos à segunda-feira. Como em qualquer boteco, as noites de fim-de-semana e o almoço de domingo são os momentos mais festivos, até porque é quando se serve a feijoada à brasileira.
A Gabi tem coisas para dizer sobre isso. “A feijoada é um prato de fusão luso-brasileiro.” O feijão veio do continente americano, os enchidos e o porco vieram de Portugal. “O porco continua a ser pouco popular entre os brasileiros, por causa de uma doença que dizimou muitos animais, no passado.” Mas não se o porco estiver na feijoada. E como é boa a feijoada à brasileira.
A Dona Luzia existe mesmo. É a mãe do dono, já retirada, mas ainda vigilante do seu receituário – nas palavras do empregado, um moço que não sabia distinguir um palmito de um pepino, mas era simpático e disponível e isso valeu ouro.
Entre as obras da Dona Luzia estão algumas entradas de fritos, todas boas. Excelente a coxinha, mas também o kibe e o pastel de carne seca. Ainda nos petiscos, destaque para o espeto de bacon e queijo coalho e dois escondidinhos, uma espécie de empadão de puré de mandioca, aqui com palmito ou camarão.
De resto, há carnes de churrasco, incluindo uma picanha de Angus, uma costela (assada a baixa temperatura) e um chuletón (costeleta do acém redondo) para partilhar. Diz a Gabi: “A felicidade, para um brasileiro, é amor e churrasco. Esse é o programa preferido de fim-de-semana dos brasileiros: amor e churrasco.”
Acompanha-se com caipirinhas ou com uma cerveja da casa, chamada Hynka, uma pilsner aromática e saborosa.
Nos doces, já sabemos que os brasileiros são doidos por leite condensado e ele está bem representado no fresquíssimo pudim à Dona Luzia e, suspeito, também na cocada, que não é uma jovem a dançar no Lux, mas sim um doce à base de coco.
Em síntese. O Boteco Dona Luzia é um local de encontro de brasileiros (que não os perus milionários, esses preferem italianos pretensiosos), com o que isso traz de comida boa, festa e espírito positivo. Ao almoço há um menu executivo por 10€, com prato, bebida e café.