E de repente os restaurantes do Cais do Sodré começam a encher-se. A Rua de São Paulo ainda tem os grafitis que apareceram com a pandemia; e ainda há lojas com as grades corridas. Mas já se vêem esplanadas esgotadas. Quem está aberto está cheio. Seja a pizzaria hipster, seja a tasca, seja o bar de petiscos do Magrebe.
Cheio de quem? Turistas? Lisboetas? Negativo. Quem vai animando o centro de Lisboa são os jovens adultos estrangeiros que já cá residiam, gente sequiosa por tequila e vitamina D, uma malta com ar de não ir a lado nenhum nas suas sapatilhas Veja, muito menos ao Museu dos Coches.
Neste momento, este Farès é um dos campeões dos expats da cidade, pequeno restaurante-bar magrebino com cozinha e sala vindas do Brasil e um ambiente arejado e bonito de bistrô parisiense.
Quando está calor, como foi o caso numa visita recente, os janelões do Farès abrem-se até acima e nasce um balcão-esplanada sobre a calçada. Apesar de ter chegado cedo, pelas 19.30 (o restaurante abre às 19.00), já só consegui lugar no balcão interior – onde também se está muito bem e o serviço é expedito e a música alta instiga a vozearia festiva.
Apesar da tez de europeu do Sul, fui atendido com um “hello” e um “can I help you”, o que não impediu a comunicação. Em menos de nada, tinha uma Maryrose Tequila (com ginger beer e alecrim) em cima da mesa e noutro tanto chegou o falafel. À primeira trinca no pastel, percebi que estávamos numa cozinha séria e não apenas num bar de cocktails com comes aquecidos para ensopar. O crunch não enganava sobre a fritura, nem a consistência rude do recheio sobre a receita: sem atalhos, sem grão de lata.
Os pratinhos seguiam-se e partilhavam-se e eu não parava de suspirar. Belíssimos os peixinhos da horta árabes, feijão-verde redondo frito em óleo limpo para molhar no molho matbuka marroquino, primo do romesco e da harissa, uma pasta de pimento, tomate e aromáticas. Na secção dos hummus (há cinco variedades), fomos pelo conselho da funcionária e escolhemos o de pá de borrego. A carne ovina vinha desfeita sobre o puré, a molhanga especiada do guisado enchendo as bordas – e eu arrependido por não ter um tinto à mão, que podia ser o Quinta do Romeu biológico.
Ainda estávamos a lamber-nos, quando chega a kefta, quatro espetadinhas grelhadas pousadas sobre poças de molho de iogurte com cominhos e ervas; em redor, estilhaços de pistáchios (para acabar com as dúvidas sobre a finesse do chef).
E sobremesas? Haverá boas sobremesas num bar magrebino? Haverá. Duas. Bem boas. O crème brulée foi o meu preferido, com flor de laranjeira e cardamomo – excelente. Mas o fondant de chocolate negro dificilmente fica melhor que isto, gordíssimo e denso.
Por fim, a questão. Porque razão os tugas ficam de fora de alguns dos melhores restaurantes de Lisboa? Será por causa do preço? Não me parece. Vou a restaurantes mais caros, com mais portugueses. Será por causa da crise? Talvez, mas tivera a mesma sensação antes da pandemia. Lembro-me, por exemplo, de ir ao Sr. Uva nessa altura e pensar: mas porque raio é só estrangeiros aqui? Uma das respostas pode ter a ver com os canais de comunicação – ou seja, com as redes sociais. Os expats têm outros amigos e seguidores: não se guiam pelas revistas nem pelos influenciadores portugueses. Sendo que os donos destes restaurantes são, muitas vezes, eles próprios estrangeiros residentes. Bastam-se uns aos outros. De Lisboa, basta-lhes o sol e os preços (relativamente) baixos.
Aos lisboetas, fica por isso aqui o alerta. Há muita coisa boa que não cai no feed. É preciso estar atento, andar por aí. E entrar. Mesmo que nos sintamos turistas na nossa própria cidade.
A única nota negativa vai para a falta de distância social. Quando lá fui o sítio estava cheio como se estivéssemos em 2019.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.