Ao fundo vê-se uma fogueira viva, quase um metro de altura de lume sob tachos de ferro e grelhas. O ambiente é escuro, como se estivéssemos no interior de um vulcão de rocha preta com feixes de lava no tecto, enquanto nas colunas soa um hip-hop da velha guarda.
É assim o primeiro impacto, mas há mais. Tudo foi pensado com detalhe, as obras levaram muitos meses e em cima disso o chef e proprietário, Alexandre Silva, ainda teve de enfrentar a pandemia na pior altura.
O regresso aconteceu já em Agosto, com algumas alterações na gestão do espaço e dos recursos humanos. Os desafios são muitos e são caros. Está-se a lidar com técnicas de cozinha menos fiáveis, mais empíricas. E está-se confinado a uma cozinha aberta, porventura apertada para a dimensão da sala.
A grande inspiração dos restaurantes de fine dining de fogo começou por ser o Asador Etxebarri. Instalado no País Basco, atingiu o terceiro lugar na lista dos World’s 50 Best Restaurants, em 2019. A filosofia assenta em produtos de excelência cozinhados de forma simples em lenha. Outro dos templos do fire fine dining moderno é o Burnt Ends, em Singapura, de onde veio Ronald Sim, que fez parte da equipa inicial do Fogo.
No Fogo, com chefia executiva de Manuel Liebaut, a carta é feita de produto português e não contempla os micro-pratinhos habituais nas degustações gastronómicas. Nalguns casos, como no arroz de forno de miúdos com borrego, a dose vem mesmo numa frigideira de ferro capaz de agradar ao Fernando Mendes pré-sleeve gástrico.
A abrir, o pão de fermentação lenta do couvert, feito na casa, é do melhor que provei em Lisboa, cheio de rusticidade e sabor (e com mais uns minutos de tosta no forno, melhor ainda seria). A acompanhar, manteiga de vaca caseira, muito gorda; rillete de porco para barrar, forrada a cebolinho; azeite Esporão Virgem Extra (entrada de gama, suave); e pickles caseiros crocantes e equilibrados de acidez e doçura.
Nas entradas, a ostra é um portento de conforto e mar e o mesmo para os berbigões. Quanto aos pratos de peixe, obrigatória a raia em molho de manteiga (prato fixo na carta desde o início, coisa rara). Nas carnes, sugerem-se as maturações de minhota e desaconselha-se a presa de porco, sensaborona.
Por fim, as sobremesas. Têm tido pouco rotação e são três, duas delas sólidas: o bolo de banana e a tarte de pêssegos assados (já a ficar fora de época). E ainda uma mais fresca, com fruta (no caso meloa e melão) e granizado.
O Fogo precisa de afinações. Há coisas que pedem molhos, outras que pedem marinadas, outras mais sal ou mais fogo. Também aconteceu virem dois pratos em três com pão, sem aviso. E o empregado servir “um peixe da nossa costa chamado garrento”, mais conhecido por tainha (aplaudo a pedagogia dos peixes sustentáveis, não aplaudo a falta de informação).
Dito isto, o Fogo é uma das melhores mesas para nos aquecermos neste Outono. Vão lá, lareiras que dão boa comida são as melhores.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.