É complicado definir a cozinha de Taiwan, porque por lá passou muita gente e há muita política à mistura. Pela ilha do Mar da China andaram – e ainda andam – aborígenes (os hakka), chineses, claro (sobretudo da região de Fujian), mas também os suspeitos europeus do costume: espanhóis, holandeses e portugueses.
Foram os portugueses, aliás, quem deu o nome de Formosa à ilha, em 1552, apelido que pegou durante os séculos vindouros.
Taiwan vive hoje pressionada por dois impérios, com a China a dizer “é meu” e os EUA a ripostar “não, não é”. No passado, houve quem tivesse vaticinado que uma terceira guerra mundial eclodiria aqui, mas entretanto apareceu concorrência em Kiev e na Palestina.
Em todo o caso, se olharmos para a cozinha taiwanesa são evidentes as influências continentais chinesas. Mesmo admitindo que há um milho painço aborígene e outras curiosidades, mandam pratos como os noodles de vaca, o hotpot, entremeada cozida em soja sobre arroz semi-glutinoso ou os célebres xiaolongbao, os raviolis de sopa.
Os xiaolongbao têm uma arquitectura rara. Parecidos com dumplings clássicos, o recheio é feito com um aspic de carne que, quando o ravioli é cozido ao vapor, derrete no interior e forma um caldinho bom para beber.
Ao comermos os xiaolongbao devemos primeiro sugar esse caldo por um buraquinho na massa e só depois abocanhar o recheio. Em Lisboa, encontrei xiaolongbao no Mercado Oriental, no noodle bar chinês do rés-do-chão, mas não neste Formosa.
Ainda assim, há outras coisas boas na casa aberta por um jovem casal asiático, ele de Hong Kong, ela de Taiwan. A mais gostosa de todas, provada num almoço recente a meio da semana, foram os noodles frios da casa.
Também se servem noodles quentes, chamados erradamente de “ramen” (ramen é uma ciência japonesa, ainda que com raízes na China), mas sendo a massa feita de raiz e gostosa, achei que os noodles frios haveriam de brilhar intensamente – e assim foi.
Massa mais al dente do que é tradição, fios grossos besuntados em chilli oil e sésamo, com o nível 2 de picante a mostrar-se demasiado fofinho (peçam o nível 3).
Notas parecidas a pimentas apareceram ainda no tofu frito, uma invenção sem nação, ao contrário do frango frito, feito à maneira clássica taiwanesa, com marinada e perfume de manjericão, como é do receituário.
A completar as entradas, kimchi taiwanês, outra liberdade criativa, desta feita com couve coração e notas adocicadas, a pedir mais intensidade e umami; e as gyozas, ícone pan-asiático pré-congelado que assaltou tudo o que é restaurante oriental desta cidade, dos moderninhos do Cais do Sodré aos sushi bares nepaleses, e que aqui pareceram do mesmo saco.
Nos principais, para além dos noodles frios, estava belíssima a entremeada em soja sobre arroz branco, com o toque da cebola frita a pôr o prato noutra dimensão.
Com as duas sobremesas provadas – um óptimo mochi gelado de chocolate e matcha, e um pudim de coco também agradável e delicado –, duas pessoas experimentaram todo o menu, com excepção do “ramen” de vaca quente.
Em matéria de bebidas, há uma limonada caseira, dois sumos naturais e uma sangria Formosa, feita com soju coreano. De resto, quanto ao vinho, só duas possibilidades a copo, branco e tinto.
Em síntese. O Formosa é aquele asiático jovem e bonitinho, com neons modernos e pintura de autor (Sofia Zoko). O serviço é simpático, mas inexperiente. A cozinha faz bem aquilo que entrega, mas sente-se que arrisca pouco. Os preços são todavia uma benção: não será fácil encontrar-se outro sítio tão em conta, no Príncipe Real.