De há três anos para cá decorre em Lisboa uma competição muito particular entre as pizzarias. Não tem tanto a ver com a pasta, mas com a infra-estrutura. Todas proclamam ter o forno mais incrível da cidade.
A Mercantina foi a primeira a lançar a tendência, marketing que a imprensa papou como se fosse trufa de Alba. O seu Stefano Ferrara, importado directamente de Nápoles, foi vendido como o Ferrari dos fornos, um colosso capaz de transformar farinha em pizzas em segundos. Pouco depois abriu a Forno d’Oro e a fasquia subiu ainda mais: era forrado a ouro e pesava sete toneladas. A ZeroZero, por sua vez, apostaria na tecnologia: o mais importante, afinal, era fazer a pizza girar – aparecia assim o forno rotativo.
Ora, bem, esta Forneria não quis ficar atrás. Claro que os donos foram a Itália, claro que andaram a escolher matéria- -prima de excelência. Mas o que abriu os textos de apresentação do jornalismo especializado foi o assunto do costume: o forno. De quê? Argila. Uma argila qualquer? Não. A argila das argilas: a argila do Vesúvio.
Dito isto, eu continuo a achar que as pessoas são mais importantes do que os fornos. Tanto mais se a pizzaria tiver um pizzaiolo que veio de uma casa de referência, como é o caso. Vítor Cunha esteve no Casanova, no Cais da Pedra, e isso nota-se assim que olhamos para as bordas das suas pizzas, assadas mesmo ali à frente dos clientes, numa cozinha aberta para a sala. Finas sem serem finíssimas, com grandes bolhas de ar, são as pizzas mais parecidas com as do Casanova que conheço.
A diferença está essencialmente no recheio. A Funghi, por exemplo, aqui, traz só cogumelos, sem fiambre, e isso não é mau. Fora das clássicas, há também boas opções, como a de trufa branca, de speck (presunto de vaca), e uma de excelente presunto “pata negra” (com cura de 24 meses), polvilhada de Parmesão.
No campeonato dos antipasti, é obrigatória a burrata DOP. Não tem grande ciência, só a arte de conseguir produto fresco e de qualidade. Mal a cortamos, do interior escorre uma nata gorda, cremosa e adocicada. O meu conselho é que deite por cima uma gota ou duas de azeite, tanto mais que aqui se serve um muito apropriado Moura DOP, da Herdade do Esporão. A burrata é também acompanhada de uns tomatinhos em vinagreta com manjericão, bons para cortar a gordura láctea.
Outro ponto alto do sítio é a panacota de frutos vermelhos. A minha preferida de sempre é a do Casanova, mas esta, lá está, é muito parecida. A diferença está no coulis de frutos vermelhos, aqui com mais fruta – o que não é forçosamente melhor, tanto mais que nada deveria interferir com a baunilha delicada desta panacota. Excelente também o tiramisu, em versão copo, e boa a mousse de chocolate com avelã.
Preços um ou dois euros abaixo da concorrência directa (15/20 euros por pessoa), serviço simpático e esforçado, abaixo da concorrência directa.
PS: Famílias do Forneria, quero dizer-vos o seguinte. Gosto de crianças. Também as tenho e também as levo a restaurantes. Mas o caos que vocês promoveram num jantar recente, terça-feira – sim, os dois casais na mesa junto à parede – merecia a deportação para os EUA ou que vos obrigassem a limpar as cinzas do forno do Vesúvio com a língua. Sei como é saudável deixar os miúdos à solta, entretidos uns com os outros, livres nos seus disparates e no seu berreiro. Mas lembrem-se: foi por causa disso que compraram um duplex com terraço para o Tejo. Da próxima, deixem-nos lá com a babysitter.
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