Um dos meus interesses na visita à Forneria era o forno a lenha. Ao contrário do que se possa pensar, não há assim tantos em Lisboa. E a Forneria, agora com segunda casa nas Avenidas Novas, faz gala da sua madeira e de que ela dá “um gosto diferente à comida”.
Mas será mesmo? A discussão é antiga: quanto valor aporta a madeira à pizza? Em teoria, com madeira, o forno chega a temperaturas mais altas e isso garante pizzas assadas mais depressa, sem ficarem secas ou cozidas. Uma pizza que demora sete minutos num forno eléctrico pode levar apenas dois minutos a estar pronta num forno a gás.
Sucede que fornos a lenha dão mais trabalho. É preciso comprar e manipular madeira, arrumá-la na cozinha – e não é qualquer estagiário ou funcionário subpago que sabe gerir o calor. Com fornos a lenha, é preciso técnica e experiência para decidir quando atiçar ou amainar o fogo.
O outro factor distintivo é o aroma a madeira impregnado na massa e na sala, aquele fumado bom que nos lembra aldeia e chouriça.
Ora, quando entrei na nova Forneria, à Avenida Marquês de Tomar, o primeiro cheiro que me veio ao nariz foi o do caril. Estranhei, mas depois percebi que era cedo e que os funcionários teriam acabado de almoçar, antes de abrir as portas. Era um cheiro bom, mas vinha eventualmente de uma marmita nepalesa, não da lenha.
Pedi então uma “sopa de tomate italiana”. Estava belíssima, densa, com troços de mozarela derretida e o manjericão fresco a entrar-nos pelas narinas.
Por esta altura, já o forno seria uma lareira. “Deve ter uma aspiração de ar extraordinária”, pensei, perante a ausência de fumos. Ainda estive para perguntar sobre o tipo de exaustor, mas a empregada já se mostrara surpreendida com a pergunta sobre os vinhos a copo – “o Pimenta é bom” –, e eu achei que poderia levar a mal.
Chegou, por fim, a pizza de figos e presunto, um clássico de Verão que terá sofrido com o fim de época e com uma temporada fraca do fruto. Figos já sem sumo nem fulgor e um presunto “pata negra” de corte grosseiro, que não era certamente de raça alentejana nem um bellota de montado. Massa fina, estaladiça nas bordas, mal assada e pouco inflada, ao centro um pão mole, cheio de mozarela borrachosa, anunciada como fior de latte.
Ainda snifei a rodela de farinha que nem o Johnny Depp dos velhos tempos, à espera daquele kick de lenha, sem sucesso. Fui mais feliz quando mordi a pizza Forneria, uma combinação gulosa de panceta (tiras de barriga de porco curadas), queijo provola fumado, alecrim e alcaparras (poucas).
Regressei dias depois, para mais pizzas, numa última tentativa de chegar a uma conclusão sobre o tema lenha/electricidade. Desta vez, só havia lugar na “sala lá de baixo”, uma subcave sem ar nem luz em dia de sol, a caminho da casa de banho. Aí, o aroma dominante era a detergentes de limpeza. A chegada de várias comidas não foi suficiente para dissipá-lo, mas chegou para satisfazer-nos.
Couverts gulosos de bolacha de pizza com pesto da casa, muito gostoso. E uma “insalatte” (insalata, em italiano, salada, em português) de salmão fumado e “alface romana” (que parecia alface iceberg, bastante) com afloramentos de laranja e funcho, e tempero self-service de azeite e vinagre. Nas pizzas, nota mais alta para a “alla genovese”, nas sobremesas a panacota sem expressão de baunilha da boa, um tiramisù competente e um carpaccio de ananás e raspas de lima de alto efeito cénico e baixo custo.
O serviço bem mais expedito e vivo do que na primeira visita, as pizzas mais bem assadas, mas não ao ponto de perfumarem os nossos palatos com notas de madeira ou carvão.
Em síntese. Se a Forneria usou madeira no seu forno ela não se notou. O que se notou foi que a segunda casa da marca é menos brilhante do que a primeira (no Parque das Nações) e que, hoje, é preciso mais – produto, criatividade, espaço – para se vingar no concorrido mercado das pizzarias lisboetas. Com ou sem lenha.