Sábado, reserva para as 13h00. O restaurante está em obras, somos encaminhados para o espaço do bar. É uma esplanada protegida com janelas laterais e tecto, com vista para o rio e para a Ponte 25 de Abril. Mas é uma esplanada. Primeira surpresa.
Segunda surpresa. A carta está no QR code em cima da mesa baixa, dessas de lounge. E tem rasteira. Parte dela está desactivada, toda a parte que se refere a pratos à carta, mais sérios. “Só estamos a trabalhar com buffet”, diz a empregada de mesa, como se alguém pudesse adivinhar tal coisa, quando em nenhum sítio — redes sociais, site, app de reservas — isso vinha expresso.
Coloca-se a dúvida de protestar e partir, mas só protestamos, que somos muitos e temos fome. O buffet tem os clássicos com um cheirinho a Oriente. Amuado, lá peço uma sopa de abóbora e uma shakshuka, hambúrguer para os miúdos, mais croissant com ovos e abacate e uns Benedict com salmão.
Estamos já resignados a apanhar sol na tola, esparramados nos sofás e nas almofadas à la riad de Marraqueche, quando chega o hambúrguer. Antecipo-me à rapaziada (privilégio de crítico) e mordo o bicho, um bicho alto, com vários andares, clássico: carne boa, bacon, cebola caramelizada, tomate, maionese de alho. Ui, bom. Ui, bom bom. Só mais uma dentada. Ui, muito bom.
Por Goa, Damão e Diu! É um excelente hambúrguer em qualquer parte da Índia e até de Portugal.
Eis então a sopa de abóbora Hokkaido e, caramba, também excelente. Um creme sedoso, puré de feijão lá metido, um toque de tahini e sementes de abóbora absolutamente crocantes, tostadas antes de postas a boiar na tigela. Nesta altura, já não havia dúvidas que alguém na cozinha do Go A Lisboa (engenhosa denominação) sabia o que fazia — algo que se comprovaria com selo e carimbo logo a seguir, nos Benedict.
Ora bem, então se calhar desamuamos. E pedimos mais. Venha de lá essa sandes de barriga de porco e chicória em bolo do caco. A entremeada quase um courato, já emagrecida pela fritura, estaladiça. O bolo do caco fresquíssimo, tudo espevitado pelo pepino, pelos picles de cebola e pela maionese cítrica.
Com mil goeses! Se não foi a melhor sandes que comi este ano!
Haveria de voltar para o jantar. O chefe de sala explicar-me-ia que o menu da noite já tinha pratos goeses, afinal a essência da antiga Casa de Goa, associação privada de utilidade pública, onde o Go A Lisboa se instalou. Essa seria uma condição do contrato de concessão do espaço.
Mas não pensei repetir o entusiasmo, todavia. Na verdade, em 25 itens da carta, apenas seis eram goeses — e estamos a contar o arroz basmati e os papadums. Ainda assim, voltei. E ative-me apenas aos pratos vindos além da Taprobana. O primeiro deles foi a clássica chamuça, um exemplar acompanhado de iogurte com menta, sem nada que justificasse os três euros cobrados.
Seguiu-se o caril de camarão. Um caril de camarão é uma coisa aparentemente simples. Temos um pó de especiarias, temos coco, temos camarão. E já está. A dificuldade é isso ficar naquele ponto de equilíbrio entre doçura e sapidez, com uma consistência nem demasiado cremosa nem demasiado liquefeita, o granulado ligeiro do coco, e com tudo isto o camarão permanecer rijo e levemente elástico e a saber a camarão.
Pelo Gama e pelo Albuquerque e pelos heróis que lhes resistiram! Se não foi o melhor caril de gambas que comi!
Sucede, pois, que eu não percebo bem o Go A Lisboa. Não é já um restaurante goês, como foi durante muitos anos, isso é evidente. Está lá a quota, para que a Casa de Goa se justifique, mas não o é. Dizem-me que na cozinha chefia uma pessoa com nome dos fiordes, chamada Inga. Pesquiso, e vejo que é Inga Martin, com aparições na TVI e rubricas de dicas de bloguer. Não é o perfil de uma expert em caril goês. Mas talvez isso não interesse. Do que provei, temos restaurante, e dos bons, e com uma das melhores vistas.
No Inverno, faz fresco, mas há aquecedores por todo o lado. Entretanto, o restaurante em baixo abriu a tempo do Inverno. Vai ser bonito. E vai ser bom. Voltaremos. Quem sabe para lá deixar cinco estrelas.