O meu amigo influencer marcara uma consulta de gastroenterologia para as 15.00, mas mudou a agenda assim que lhe enviei um WhatsApp com o nome do restaurante. Ele não conhecia o Gunpowder e fez o que todos fazemos: antes de responder, foi espreitar ao Instagram.
Minutos depois, ressurgiu: “Mandei uma mensagem ao médico a dizer que tinha uma reunião de trabalho fatal”, escreveu, acompanhando o texto com um e a fotografia de uns “camarões massivos de Madagascar” temperados com molho de tomate e alho assado e, outra, de um tachinho com arroz de marisco, meticulosamente empratado com uma tenaz de crustáceo.
Visto da Internet, o Gunpowder parecia capaz de fazer as pessoas adiarem assuntos de saúde. As fotos de comida eram lindíssimas; e até a primeira suspeita de que se tratava de um franchising da marca de Londres caiu por terra: o noticiário de lazer assegurava que o dono, Harneet Baweja, de origem indiana, era o mesmo do Gunpowder London, casa nascida em 2015.
Olhando para o menu, o interesse prolongou-se. Soava tudo bem, soava tudo a Indiano fora da caixa. Mais mar do que terra, produto português (ostras do Algarve, porco preto), molhos com nomes de terras distantes, um equilíbrio sexy entre conforto e mistério, entre génio e autenticidade. Exemplos: “ostra do Algarve com picle kachumber”; “santola em ovo bhurji”; “raia konkani com molho de solkadi”.
Na carta de vinhos, a mesma literatura boa, certamente com dedo de conhecedor. Se não é a carta de vinhos mais interessante e seleccionada que vi nos últimos meses, andará lá perto — e incluo aqui casas do campeonato fine dining. Há muitos bons exemplos de vinhos frescos, como são o Amphora da Herdade do Rocim, o Pinot Noir do Quinta de Rol ou o Ciste, da Menina d’Uva. Mas também Maçanita, Alves de Sousa, Quinta do Monte d’Oiro, Symington.
O repasto começou bem. Boa a torrada com manteiga e pasta de cebola caramelizada, mas também a tosta de gambas, pequenos cubos fritos, gulosos, para ensopar num óleo de mostarda. O ovo em casca de santola comeu-se, ainda que sem grandes notas marisqueiras, mais casca que recheio. E pior os filetes de robalo, uns douradinhos da Iglo um bocadinho mais sápidos.
Nos principais, o meu amigo estava encantado com a arquitectura do “donute de vermicelli com borrego picante”, que era carne moída de ovino dentro de uma bola de basebol com espinhos (da massa frita). E eu interessei-me no tal arroz de marisco, um pulau cheio de mexilhão em casca (magrinho, sem sabor), camarão borrachoso a sabor a molas da roupa e os bagos de basmati engordurados (onde estava a tenaz do Instagram? Não estava).
Nas sobremesas, experimentou-se tudo: um pudim de pão com gelado que nos deixou a suspirar por bebinca; uma ganache de chocolate banal; e um gelado de maracujá dulcíssimo e ácido.
Em síntese. A ideia é boa, a imagem é boa, o espaço é bonito e dá para festas de aniversário que não comprometem (sala para o efeito no piso superior), seja pela decoração seja pelo picante (bem comportado, demasiado). De resto, fritos agradam a toda a gente e aqui abundam. Quanto ao serviço, foi mais expedido e competente do que a média. E, se for um enófilo, também se vai divertir, pelo menos se tiver dinheiro.
Primeiro problema. Isto de querer fazer cozinha indiana sexy, criativa e docinha, nem sempre com a melhor matéria-prima, pode revelar-se uma coisa insípida e frouxa. Podem ir buscar os tachinhos e as frigideiras bonitinhas, o set up todo para o Instagram e a fritalhada, que isso pouco fará pelo sabor.
Segundo problema. Se em cima disso, puserem uma factura de 40 a 50 euros por pessoa (com pouco vinho), temos então mais um restaurante que aposta em turistas de primeiro mundo, sobretudo dos que comem com os olhos.
Como o meu amigo influencer.