A primeira preocupação do dono e cozinheiro é deixar claro o currículo: “Trabalhei no Japão, em restaurantes da especialidade”, diz, num fim de tarde calmo, só uma rapariga a um canto sorvendo noodles. A explicação do senhor Honda, um homem grosso como um boxeur, fita turca branca na cabeça e óculos Ray Ban de massa, bate certo com a prova do tonkotsu. O caldo é espumoso e denso, a barriga de porco (chasu) desfaz-se, a massa estica sem partir. Coisa rara.
Uma das razões pelas quais é tão difícil encontrar boa sopa tonkotsu, em Lisboa, é porque demora. Para o caldo atingir a espessura e a profundidade ideais são necessárias muitas horas de ossos porcinos a cozer. “Os nossos ficam 9 horas ao lume”, concretiza Honda, nepalês de origem, tal como toda a equipa (três pessoas), enquanto vai montando mais um prato com alga nori e o ovo ajitama.
Se dúvidas houvesse, os tachos estão logo ali, à vista de todos. O Honda’s Ramen é uma tasca com cozinha aberta. O dono ocupou um antigo snack bar e fez muito pouco para o embelezar. Há os clássicos ladrilhos a imitar pedra, um poster gigante de Cristiano Ronaldo, frigorífico em inox com latas de Fanta e Sagres, o barril de imperial desarrumado a um canto da sala e a prateleira com JP Azeitão, um ecrã de televisão a dar a bola e homens de olhar vazio empunhando imperiais antes de irem para lugar nenhum.
A diferença do Honda Ramen para a tasca de bairro está no menu e na cozinha, agora aberta. Vemos tudo. No fogão, uma frigideira debaixo de um lança-chamas, dois tachos ocupando os outros bicos de gás. Espalhados pelo chão, em redor, mais panelões. Estão tapados, mas podemos adivinhar que é dali que saem os caldos, seja o do tonkotsu, seja o que há-de alimentar o shoyu (com soja) e o shio (com sal), estes últimos feitos à base de caldo de galinha (frango, na verdade).
A outra coisa que distingue o Honda’s Ramen, para além dos caldos, são os noodles. São também eles caseiros, coisa ainda mais rara. Ramen tonkotsu e noodles de massa caseira são uma aliança preciosa, mas capaz de desestabilizar uma cozinha. É preciso fazer a massa, alcalinizá-la, dar-lhe forma. Muitos restaurantes dizem que não justifica o trabalho, que há boas alternativas comerciais de massa fresca congelada.
A tese do senhor Honda, por outro lado, parece ser: caldo e noodles são o dueto fundamental do ramen, o resto vem por acréscimo. O kimchi do kimchi ramen (o preferido da minha filha) é industrial, bem como o miso (pasta à base de feijão) do miso ramen e desconfio que o bambu seja de conserva chinesa – coisa que também existe em asiáticos modernos que cobram 30€ por cabeça.
Mas o chasu do Honda, por exemplo, está muito bem assado; e o ovo respeita os tempos de cozedura; e há algum cuidado em manter as camadas de sabor de cada tipo de ramen.
Numa segunda visita, mais tardia, apanhei o Honda’s Ramen no pico dos jantares. A dada altura, a sala estava cheia (uns 20 lugares) e as mesas lá fora idem (até oito pessoas). Pode não parecer muito, mas para os recursos da casa é claramente demais. O senhor Honda andava numa azáfama, dos tachos do chão para os tachos do fogão, da frigideira para a montagem periclitante junto à vitrina. O calor era já intenso e eu perguntei-me como seria no Verão, sem refrigeração e climatização.
Claramente, faltam condições ao senhor Honda. Era preciso dar uma volta no equipamento, obsoleto e desapropriado. A questão é saber se terá margem para esse investimento. Os lugares são poucos e os seus preços estão bem abaixo dos do mercado. Os ramens começam nos 6,99€ e vão até a um máximo de 8,99€, para o tonkotsu especial, com alho negro. Na concorrência, esses valores vão dos 12€ aos 16€.
O senhor Honda ainda assim parece feliz. Faz ramen para o povo. E o povo também tem direito a ramen. Vão lá. Reservem. Vão cedo. Vão com respeito.
*Os críticas da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições