Não se pode dizer que seja um segredo, ou não tivesse esta casa uma imagem gigante de uma francesinha na vitrina, com a afirmação de que ali se faz “provavelmente a melhor francesinha de Lisboa”. No entanto, quem conhece a Imperial de Ourique (quase) prefere não partilhar o lugar. Compreende-se: o espaço é pequeno, com menos de 20 lugares, quase tudo habitués. Há sempre alguém a comer francesinha, mas na carta há pratos do dia em conta, dois de peixe e dois de carne – no dia em que por lá passámos sem aviso havia, por exemplo, bacalhau à Brás (7,50€) e feijoada à transmontana (7€). A francesinha é feita à moda do Porto, picante como dita a tradição, com bife, linguiça e salsicha, queijo com fartura e ovo. Na carta, a Imperial de Ourique (não confundir com a Imperial de Campo de Ourique) distingue entre a francesinha com bife (8€) e a francesinha com bife à casa (9,50€), que leva acrescento de bacon e presunto, explicam-nos. Há ainda variações como a francesinha com hambúrguer (7,80€) ou a francesinha com bife de peru ou bifana (8€). A batata, em palitos sem medida certa, é caseira, como se quer.
Crítica
Todas as pistas servem para farejar tascas. Menus à entrada, gente à porta, sinais de fumo e cheiros exauridos, comentários de amigos, bocas de desconhecidos. Por vezes, imagine-se, até coisas escritas na Time Out. Dá-se o caso. Dizem-me estes senhores, em edição recente, que na Imperial de Ourique se come uma francesinha a preceito e em conta. Ora, talvez não saibam, tampouco tinham que saber, mas a Time Out sempre dispôs de um forte contingente do Norte entre as suas milícias de Lisboa. Isso é garantia de duas coisas: linguagem colorida e garfos certeiros. Decido, pois, averiguar.
A casa consiste num snack-bar aprumadinho onde se guarda lugar para vinte pessoas – e convém mesmo pedir para guardar, que o risco de ficar sem almoço, como comprovei numa das minhas expedições, é real. Há muitas francesinhas, bifes, alheiras e várias versões de combinados de almoço estilo século XX – pregos, salsichas, tiras de bacon, fatias de fiambre, tudo em pratinho pequenos, tudo a 5€, tudo com ovinho estrelado e umas óptimas batatas fritas, caseiras, cortadas à mão, gulosas, sempre a sair. Suspeito, por tudo isso, que o princípio orientador da ementa seja cromático. Não há aqui petisco que se afaste das frequências mais baixas que o olho humano consegue perceber no espectro electromagnético: anda tudo entre o vermelho da carne, o laranja do ovo e o amarelo da batata.
Há depois quatro pratos do dia, dois de peixe, dois de carne, todos abaixo de 8€. Entre eles, um bacalhau à Braz, douradinho e enxuto, que aceito como única excepção nestas minhas investidas carnívoras, e de que não me arrependo. Mas, lá está, é amarelinho. Também há escolhas fixas de bacalhau, cozido e à minhota, garoupa (de mar, garantem-me) e cherne na grelha, pescada cozida com todos, tudo em meias doses até aos 8,5€. A verdade, porém, é que em três dias diferentes, sempre de casa atestada, nunca vi ninguém a ir por aí. Mas vamos então ao que aqui me trouxe.
Pranta-se uma francesinha diante de um alentejano e o mais certo é ele pedir pão. Esteve para acontecer, até porque as batatas fritas, apesar de generosas, atreladas numa travessa à parte – e óptimas, insisto –, não absorvem tamanha molhanga. Mas o decoro trava-me a lambarice. E ainda bem, que isto merece ser degustado com algum cuidado.
A francesinha é uma alarvidade delicada. Não é apenas um cúmulo de carne, queijo, gordura e pão, conjugação universal para uma gordice de conforto. É também o equilíbrio que empilha tudo isso e o apuro do molho que submerge o conjunto. E o que vos posso dizer é que todos esses itens merecem elogio neste exemplar lisboeta. Bom bife, ponto médio-mal, linguiça, salsicha, mortadela com pimenta; molho aveludado, picante na conta, sem excessos ácidos de tomate ou cerveja; uma cama elástica de queijo derretido a selar todo o edifício e um ovo a cavalo com a gema branda. Na vitrine proclama-se que esta é “provavelmente a melhor francesinha de Lisboa”. Ainda não as provei todas, reconheço. Mas sim, por este preço, provavelmente é mesmo.
No dia seguinte invisto num bitoque à Marrare (9€). É, tal como o nome indica, a versão económica do clássico lisboeta – que também consta da carta na versão bife (13€). Meio palmo de pojadouro tenro, ponto certo, encharcado em manteiga, natas e pimenta. É o sonho de um dia de ressaca e confirma a grande vocação da casa: clássicos da cozinha de conforto, sobretudo da escola proteico-calórica. Não conheço muitos sítios nesta cidade para comer gordices assim, bem feitinhas, cheias de boa batata frita – óptimas, já tinha dito? –, onde é possível acertar contas com pouco mais que uma nota de dez. Quanto vale um lugar assim, tranquilo, de serviço atento e de uma simpatia discreta? Nunca menos que quatro estrelinhas.
Na mesa à minha frente, um cidadão que também almoça sozinho acompanha a francesinha com uma dose de pão. Tem ar de ser da Vidigueira ou de lá perto – ele, que o pão é demasiado mal cozido para isso.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.